Os Tesourinhas
Sempre fui antissocial. Uma das minhas maiores dificuldades era fazer amigos. Mas os poucos amigos que eu tinha, eram amigos de verdade. Eu não me importava se eles rissem por eu me irritar fácil. Não me zangava por tentarem métodos para tirar meu mal humor. Sempre levei tudo isso da melhor maneira que pude. Os meus amigos eram mesmo os melhores, os mais sinceros, os mais leais, os mais ajudadores. Nunca me ocorreu que eu pudesse perder um amigo. Eu achava que nem o tempo e a distância seriam capazes de nos separar.
Mas meu último ano letivo chegou ao fim. Eu e meus colegas no formamos e cada um tomou um rumo. No começo, marcávamos reuniões e encontros, telefonávamos um para o outro, mantínhamos contato. Mas um começou a trabalhar, o outro, a fazer faculdade, outros se mudaram, e outros fizerem ambas as coisas. Os encontros foram se tornando difíceis até se tornarem raros. Acabamos perdendo nossos números de telefone e, depois de alguns anos, nem sabíamos mais onde os outros estavam. Novas pessoas entraram na minha vida. Algumas permaneceram por mais tempo, outras por menos, mas todos fizeram parte dela.
Cerca de dez anos depois, sofri um acidente e o médico recomendou que eu evitasse o estresse, para uma melhor recuperação. Então, deixei a tribulação da cidade grande e fui viver num sítio no interior, junto com a minha mãe, que havia se oferecido a cuidar de mim. Minha mãe ficou muito feliz em ter seu único filho perto dela, já que vivia muito solitária depois que meu pai havia falecido.
Como não tinha muito o que fazer por lá, eu costumava me sentar na varanda para observar os pássaros. Notei que todos os dias, pela manhã, um pássaro tesourinha pousava numa determinada árvore, ficava lá por alguns minutos, depois voava. Então, pousava de novo e voava. E pousava e voava. Na quarta vez que voava, partia, voltando só na hora do almoço, e repetindo as séries de voo e pouso, sempre na mesma árvore.
Um dia, enquanto almoçávamos, eu contei à minha mãe sobre o tesourinha que pousava naquela árvore duas vezes ao dia.
- O tesourinha não pousa duas vezes ao dia naquela árvore, querido – ela explicou. – Se você reparar bem, verá que o que vem pela manhã tem penas mais escuras do que aquele que vem à tarde. São dois irmãos. Nasceram naquela árvore, há cerca de um ano e meio. Seus pais os abandonaram assim que aprenderam a voar. Depois de passarem um tempo juntos, cada um voou para um lado, mas, todos os dias, à tardezinha, se encontravam aqui e cantavam e voavam juntos. Mas, um dia, por algum motivo, eles se desencontraram e até hoje estão procurando um pelo outro no lugar do encontro. Creio que, mais cedo ou mais tarde, a vida vai tornar a uni-los.
A história dos tesourinhas me comoveu muito e decidi que, todos os dias, eu pediria aos céus que os ajudassem a se reencontrar.
Por obra do destino, naquela mesma noite um vizinho foi pedir um pouco de farinha emprestado. Não o reconheci, mas conversamos um pouco e logo descobri que o rapaz era o meu melhor amigo da época do colegial. Trocamos um longo abraço e eu me senti um tesourinha realizado.