Erros: se pudessemos voltar e consertar...
Minha mãe em dias de chuva, como o de hoje, sentava-se em sua cadeira e punha-se a manusear sua agulha e a fazer seu crochê. Um emaranhado de linhas, carreirinha, sobre carreirinha, que ela transformava em peças maravilhosas, como mágica.
Muitas vezes me colocava para desmanchar, enquanto ela enrolava a linha novamente, evitando que se embaraçasse. Dizia que havia errado um ponto, ou dois, insignificantes no meu ponto de vista, mas segundo ela, o pequeno erro tomaria grandes proporções e poderia ameaçar todo o trabalho. Ela então me colocava para desfazer pontos e mais pontos. Para mim era um errinho de nada, quase invisível, que só ficava perceptível quando ela mostrava e explicava. Causado por descuido, excesso de confiança, que ocorria na maioria das vezes quando o trabalho ainda cabia na palma da mão, mas só era percebido quando lá na frente, quando a peça estava quase pronta, e os pontos não fechavam.
Para desfazer era rapidinho, levava segundos para desmanchar o que levou horas e horas de trabalho. Só parava quando chegava ao ponto do erro, devidamente marcado por ela. Depois da linha toda enroladinha, ela começava tudo novamente. Lembro-me que às vezes uma mesma peça passava por várias desmanches.
Fico pensando como seria se pudéssemos desfazer tudo, e chegar ao ponto de nossos erros, e começar novamente? Seríamos mais atentos, refletiríamos melhor antes de determinadas escolhas e tentaríamos quantas vezes fossem necessárias, poderíamos experimentar opções e até que tudo saísse dentro dos conformes.
Mas não é assim, a vida não é como o crochê, que se pode fazer e desmanchar segundo nossas vontades. É um caminho sem volta. Fez, está feito. Não há como desmanchar e refazer. Pode-se até voltar tentar corrigir,colocar um remendo, mas nunca será como antes.
Só depois de tanto esforço, tantas carreirinhas percebemos que nada deu certo devido aquele errinho. Se fosse como o crochê, era só encontrar a ponta certa e puxar.
Os erros da vida, mesmos corrigidos, não são apagados e nem esquecidos. E ao contrário das belas peças confeccionadas pela minha mãe, que depois de corrigidas, ficaram perfeitas, eles sempre deixam marcas. Umas mais profundas que outras, mas sempre deixam...