A impaciência com as coisas da vida
Em homenagem a Arthur Schopenhauer (1788- 1860)
“Sempre que me misturo aos homens, fico menos humano” (Thomas de Kempis)
Lúcio Alves de Barros*
Já estou ficando velho, pois rabugento já sou. Nasci com mais de 60 e não tenho mais o mínimo de paciência para certas coisas que com o tempo tornaram-se normais e naturais, Sobre algumas é bom falar, pois assim ainda vou ficando mais enjoado e surdo e paro de ouvir essas sandices. Neste espaço vou destacar somente três.
A primeira diz respeito a essa coisa de cota para negros nas instituições de ensino. Já perdi a paciência nestes debates porque é óbvio da necessidade dessas cotas para os negros. Pelo amor de Deus, acho que nem desenhando o povo entende que esse país é resultado da pura, nua (literalmente) cruel escravidão. Por consequência, da violência e da crueldade. Não vou nem me referir aos índios, mas cá entre nós... só de pensar nessa história é difícil não lembrar da literatura que não cansou de revelar como os portugueses, espanhóis e ingleses superlotavam os porões dos seus navios com negros africanos. E estes, longe de suas terras eram vendidos como animais. O Brasil, esse país para poucos e de difícil entendimento, só se deu ao trabalho de libertá-los em 13 de maio de 1888 e isso porque a coisa ficou feia e o negro ficou caro. Logo, são anos e mais anos de escravidão que nem vou contar porque cansei e estou sem paciência. Se isso não for uma boa justificativa para as cotas dos filhos, dos filhos e dos filhos que resistiram por aqui, pelo amor de Deus. E nem vou comentar a teoria do branqueamento que passou por aqui. Ela não merece maiores detalhes.
Outra coisa que merece destaque é esse culto exacerbado ao corpo. A ideologia da corpolatria conseguiu pelos meios de comunicação disseminar que temos que ser magros porque ser obeso é doença. Sabemos da obesidade mórbida e patologias associadas a ela. Mas convenhamos, qual o problema em ter uns quilinhos a mais aqui e ali. Ademais, tem gente caindo na anorexia e na busca frenética de mais e mais endorfina. Portanto, cansei de ver a Revista Veja com aqueles corpos belos e maravilhosos cheios de retoques de programas de computador chamando atenção para a fulana que não tem nenhuma gordurinha. E já estou de saco cheio (não mais o esvazio) de ver a capa da revista Playboy que nunca envelhece. Estou ficando velho mesmo, as coisas vão caindo e o mesmo não acontece com as capas que mostram as mesmas posições, caras, pernas, ancas e bocas ginecológicas. Nada é passível de finitude nesse mundo ilusório da mídia. Esse conto de vigário já cansou. É chato e causa mal-estar ver as pessoas caindo de boca na indústria cultural e gastando o pouco que economizaram em revistas recheadas de mentiras e enganações. A alienação é boa quando a crença nas manifestações não tem limites. Acredito que os bípedes humanos acreditam em tudo por duas razões: (1) possuem um medo exagerado da morte e (2) porque são idiotas. Do contrário, aceitariam a finitude do próprio corpo e não deixariam de reclamar no Procon os seus direitos porque, definitivamente, aqueles corpos não existem.
Por último, não é possível aceitar certas elucubrações. Agora vejo na TV que solidão é doença. Não é possível, ficar triste já era doença enganosa, engordar já comentei, ficar só - até por opção - ou é sintoma ou é caso de internação. Se o sujeito não suporta ficar na própria companhia é outra história, mas dar um tiro na solidão não faz o mínimo de sentido. E me poupem desses discursos de psicólogos e psiquiatras que compram essas ideias de indústrias farmacêuticas e se entopem de dinheiro ao ponto de legitimarem essas coisas como verdades absolutas em troca de entrevistas, livros e revistinhas de autoajuda. Seres humanos são socializáveis até na solidão. E se acabarem com essa possibilidade o que fazer dos poetas, dos músicos, dos filósofos, artistas e escritores? E tem mais, agora é um tal de psicopatia para lá, sociopatia para cá que me pergunto qual o problema em encarar o sujeito como um criminoso que merece a privação da liberdade e pronto. Se ele não for doente, nas mãos de um advogado ele ficará, mas conheci gente entre as grades que achou foi bom ter feito isso e aquilo, visto que os benefícios foram muito maiores que os custos. Então creio que basta dessa conversinha ridícula de senso comum que procura benefícios privados em tudo.
O ser humano, chamado carinhosamente de bípede humano por Schopenhauer, já é um problema em potencial. O outro já é o estranho e ele habita em mim. O mínimo que podemos fazer é não produzir mais sofrimento ao outro, nos esforçar para levar algumas coisas mais a sério e um bom começo é buscando informação, deixando de vomitar assuntos, problemas, recalques e sintomas. Se o outro é o problema, nada como falar para ele, estudar, pesquisar, conhecer e perceber que longe da tolerância e do conhecimento não existe salvação.
** professor e Doutor em Ciências Humanas pela UFMG.