SAUDADES DO MEU FEIJÃO COM ARROZ

Nem bem completei quinze dias aqui em Buenos Aires, apreciando as novidades, olhando as multidões, admirando a cultura portenha e sua maneira muito específica de ser, satisfeito por saber que há inúmeras livrarias espalhadas pela cidade e todas elas vendem muito e progridem porque o argentino lê como ninguém - nas praças ao frescor da brisa gelada, nas lojas trabalhando e se não houver a quem atender, nas ruas esperando o sinal ficar verde, no cabeleireiro ao tratar e embelezar os cabelos, nos supermercados enquanto aguardam a vez na fila, em suma, em todos os lugares -, gostando de ver que nos bairros residenciais pululam lojas, minimercados, vendinhas tradicionais, cafeterias(são tantas, como gosto disso!), sapatarias, lavanderias, tudo em meio aos edifícios de apartamentos, isso, a meu ver, dá um ar de vivicidade e dinâmica à vida, pois bem, apesar de tudo isso estou sentindo muita falta do meu gostoso feijão com arroz brasileiro de cada dia.

Percebi, não é hábito argentino ter feijão no almoço, muito menos arroz. Uma vezinha que, me achando o máximo de feliz, avistei arroz e pedi ao garçom, tive o desprazer ver chegar à minha mesa um prato sem sabor, parecendo dormido há dias, e de tentar degustar frio como lápide um alimento que tenho o costume de comer ainda quente. Faz sucesso por essas paragens, como já é por demais sabido de todos, somente a parrilla(uma grossa fatia de carne, o churrasco deles) acompanhada de papas(batatas) fritas, generosa e abundante porção de pães diversos, vinho, café e cigarro. Logo eu, que normalmente saboreio, praticamente todos os dias, peixe, arroz integral, verduras e, de maneira eventual, porém insubstituível em dois ou três dias da semana, o inigualável feijão caseiro preparado com a sabedoria e a experiência de minha amada, perdido nesse universo tão diferente do meu cotidiano!

Tenho escapado dessa saudade como posso, embora claudicando, a duras penas. Entro nos restaurantes, peço a carta pela qual passeio os olhos, então lanço um olhar desolado ao garçom quase a pedir que, em sendo possível, pelo amor de Deus dê um jeito, traga-me meu brasileiríssimo feijão com arroz acompanhado, pelo menos, oh gracias!, de peixe, algumas verduras, sementes de gergelim, farinha de linhaça... é, seria esperar demais encontrar tais produtos em Buenos Aires na hora do almoço ou do jantar. Daí meu estômago se achar na capital portenha enquanto minha mente viaja todos os dias para o Brasil à procura da rotina deixada lá, ao menos por um tempo, nas brenhas distantes do Nordeste. Nada resta fazer a não ser envolver-me em recordações, sentir de tão longe, apenas pela força da saudade, aquele cheirinho maravilhoso do feijão esfumaçando na panela,pensando em por no prato o caldo devidamente grosso e encorpado segundo meu paladar, a seguir duas ou três colheres de arroz cateto (hum!) e misturar à guisa de baião de dois. Uau, é de lamber os "beiços"!

Fica, tão-somente o desejo, no entanto, pois esse anelo guloso, esse apetite nada gourmet, tudo bem, mas que tem respaldo nas memórias da infância, e tudo oriundo de nossa meninice tem o toque irreversível do perene, não pode ser satisfeito em Buenos Aires. Ah meu feijão com arroz, que não se trata apenas daqueles grãos na companhia destes formando uma delícia, todavia das lembranças permanentes, dos tempos de outrora, de anos levados pelas areias das eras, dos avós já em outra dimensão, da vida vivida, sofrida, curtida e passada, dos outroras e dos ontens, dos momentos que certamente jamais tornarão a voltar, instantes que nossos olhos de hoje nunca mais verão. Disso tudo ainda resta a fórmula mágica e nordestina, quiçá brasileira como um todo, desse pratinho simples, comum, humilde até, no entanto saboroso como nem todos os pratos requintados de chefs são, o inefável feijão com arroz, um casamento que deu tão certo e se tornou absolutamente feliz, que ainda perdura, ao longo dos anos, nas mesas de milhões de brasileiros.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 25/10/2011
Reeditado em 25/10/2011
Código do texto: T3296626
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