De cima daquela pedra
De cima daquela pedra o universo inteiro se desdobra em cores. Sim, todas as cores. Sim, meu bem, até mesmo o alaranjado da saia da menina bonita bordada de flor e o azul-bebê da tapeçaria da sua avó. Sim, você verá, as cores não se esconderão de ti – não mais.
De cima daquela pedra, ali no alto onde estou apontando agora, depois de caminhar algum tempo – não, não conte em minutos essa travessia – você poderá sentir outro universo, aquele que nasce e cresce dentro de você. Não, lá não tem um telescópio e um microscópio, você enxergará a olho nu as galáxias e constelações que surgem e se apagam como se alguém brincasse, ingenuamente, de ligar e desligar o interruptor.
De cima daquela pedra a distância não importará, teus passos serão sentidos e farão sentido. Reverberá dentro de si o sorriso da criança que, dentre suas memórias, se perdeu e agora se reencontra, como quem brinca de esconde-esconde da serenidade.
Não, naquela pedra não te mostrarei um espelho que retrate o côncavo de tua essência. Não há, verdadeiramente, qualquer esconderijo para si ou de si mesmo, de cima daquela pedra. Despeça-se das máscaras, o carnaval já passou e a quaresma não satisfaz.
Despeça-se também do preconceito, do senso comum, das vozes e dedos que lhe acompanharam quando andara na direção de tantas outras pedras – que agora, olhando bem pra esta que te falo, parecem todas pequeninas, não é mesmo?
Lá de cima tu serás tua essência – o verbo, o verso e o sujeito da sua oração. Jamais será predicado ou objeto, nunca se esqueça disto. Seu papel jamais será o de segurar apenas um copo neste quadro. O silêncio te permitirá ouvir sua respiração e sentir cada recanto do teu corpo ressoar Existência, ad infinitum.
Eu sei, de lá tu poderá ver todo o horizonte da utopia. É possível que se sinta pequeno, que nem daquela vez em que você subiu em uma cadeira e ficou na ponta dos pés tentando alcançar o pote de biscoitos em cima da estante, lembra?
Mas não haverá voz lhe pedindo ou ordenando que desça, que abandone as traquinagens, que não viva os perigos do crescer e das escolhas do querer. Em cada pedacinho de ti sentirá a brisa que massageia, a música que beija os ouvidos e a certeza indiscutível de sua completude.
A pedra só te pedirá que se permita, que se (re)pense e se (re)invente – que seja capitã de sua alma, senhora de seu verbo e a bruta flor do querer do quereres que se reencontra com a menina da flor, ou dentro do guarda-roupa de si mesma em que saias e meias e metros e metros de interrogações digladiam entre os cantores e poetas que, pagãos, fizeram recanto de sinergia na morada do teu sorriso.
Ah, se já perdemos a noção das horas, que seja então este o reencontro aguardado de si consigo mesma. Que os ouvidos vejam e conduzam, que os olhos ouçam e reparem, que o tato escute e a palavra seja, simplesmente seja. E o teto será o infinito das estrelas que agora, uma por uma, como morangos em seus dedos, você acende na abóbada da plenitude de si mesma.