Lendas das Coxilhas
A AMIZADE
No planalto serrano, das vastas coxilhas e dos campos verdejantes, é no fim do dia que O grande pintor da natureza deixa para dar os últimos retoques na sua tela. E sob os raios fugidios e no morno do crepúsculo, o Serrano montado em seu cavalo tira o chapéu e agradece a benção da vida que segue e a que se renova.
Já nasceram amigos. Na mesma noite, numa noite de estrelas. Não havia luar. Apenas o brilho das estrelas, intenso, parecia um show de luzes. Não importa o horário, os três brilharam como as estrelas, em todos os momentos da vida, pela garra, energia, companheirismo, amizade.
Enquanto se amamentavam já olhavam uns para os outros, com um intenso brilho no olhar.
Houve o tempo de correrem juntos pelos campos do planalto serrano. E havia muito campo para correr.
Manuel sempre perdia as corridas e ficava brabo. Deliciavam-se nos banhos de cachoeira, apanhavam pinhas dos imensos pinheirais. Manuel subia envolto em cordas pela cintura e lá de cima derrubava as maiores pinhas. Os demais as carregavam até próximo da carroça, onde Napoleão os aguardava. Napoleão era um pônei que sempre que possível os acompanhava.
Viviam juntos. Aonde um ia os outros seguiam. Iam aos rios da região, onde Manuel gostava de pescar. Juan e Pietro preferiam olhar do barranco.
As noites foram se sucedendo, e os pelos surgindo. Manuel passou a barbear-se.Sentia-se um pequeno grande homem. Era filho de Abelardo, que viúvo, passou a cuidar de todos e tudo sozinho em seu Rancho Gralha Azul, com 50 cabeças de gado. Prosperava pelas suas mãos calejadas pelo laço e pela lida do campo.
O inverno era rigoroso e nestas noites, Manuel se recolhia cedo no interior da casa grande, onde buscava um lampião e ali estudava até tarde.
Já Pietro e Juan ficavam até noite adentro na guarda do gado e se recolhiam aos longos galpões e dormiam à beira das lareiras onde o calor os confortava.
Determinado dia, Abelardo teve que ir para a cidade, onde ficaria internado face uma úlcera que lhe aparecera de repente. Segundo os médicos somente uma cirurgia iria extirpar o problema médico.
Assim fez e com sérios conselhos para Manuel encaminhou-se para Lages, cidade grande que ficava a um dia de viagem. Abelardo confiava em Manuel e nos demais companheiros seus de que ficariam bem.
Apreensivo mas, sabedor das responsabilidades Manuel passou a cuidar do Rancho Gralha Azul. Dos vinte dias que seu pai ficaria na cidade, Manuel soube mais tarde que devido a uma infecção hospitalar, passou para dois meses. Então o pastoreio se fez necessário. Foi o inverno mais rigoroso que enfrentaram e a grama praticamente desapareceu de perto da fazenda.
Tiveram que levar o gado para outras pastagens, mais verdes. Ficariam lá por 3 dias acampados.
Manuel decidiu que somente Pietro o acompanharia e Juan ficaria cuidando da fazenda.
E assim, fez. Manuel já sabia para onde levaria o gado, para a coxilha bonita que ficava a meio dia de galope em direção oeste. Já tinham feito isto em outras invernadas. Napoleão, agora cavalo feito, também seguiu puxando uma carroça com mantimentos. Partiram numa manhã de muito frio, suas respirações levantavam fumaça pelo contraste das temperaturas.
Passou-se uma semana e Juan não tinha notícias deles. Ia da varanda até o portão e nada.
Estava impaciente. O tempo mudou. De frio intenso para frio ameno, porém com muita chuva.
Os campos estavam encharcados e enlameados. Choveu três dias sem parar e Juan não agüentou mais. Quando numa manhã, surgiram os primeiros raios de sol, Juan partiu em direção a coxilha bonita.
Lá chegou no meio da tarde. E o que viu o deixou mais preocupado. Ninguém se encontrava fora das barracas, ali perto Napoleão estava pastando com a carroça presa em seus arreios. O gado espalhado
Pelos morros próximos.
Dentro da barraca Manuel ardia em febre e Pietro parecia desmaiado.
Juan entendeu que deveria levá-los para o Rancho o mais rapidamente possível.
Nada poderia fazer ali.
Manuel, tinha um perna quebrada e Pietro tinha sido mordido por uma cobra.
Manuel tentará a retirada do veneno com um corte e sugando o veneno e cuspindo fora.
Deu-lhe um antídoto, porém não fizera efeito ainda.
No afã de curar Pietro, Manuel saiu em disparada da barraca na noite do ataque e escorregou no gramado encharcado. Despencou de um barranco e bateu com o joelho em uma pedra e sua perna partiu.
Rastejou até a barraca e ali ficou.
Agora Juan, com uma força descomunal conseguia levar Manuel até próximo da carroça. Em seguida pegou Pietro com o cobertor e os levou até onde estava Manuel que ergueu Pietro e o colocou sobre a carroça e subiu. Napoleão imediatamente seguiu rumo ao Rancho, acompanhado por Juan.
Quando Manuel acordou estava na carroça em frente ao Rancho. Atordoado desceu da carroça com esforço e fazendo um apoio conseguiu com a ajuda de Juan levar Pietro para dentro. E o acomodou em seu quarto, desfalecendo a seguir.
Na manhã seguinte Manuel acordou ao lado de Pietro. Estava ainda com febre, mas em menor intensidade. Pietro os tinha protegido com cobertores e permanecia ao lado da cama. Estava cansado e dormindo profundamente. Manuel começou a se recuperar. O antídoto fez efeito e Pietro se recuperou, também. Todos se restabeleceram em alguns dias.
O resgate que Juan fez se espalhou pela região. E todos ficaram espantados com o feito.
Muitos vieram até o Rancho Gralha Azul para conhecer os personagens desta história.
Abelardo retornou ao Rancho dias depois e passou a coordenar novamente os trabalhos, agora de sua varanda. O médico tinha lhe recomendado mais descanso, com pouco esforço físico.
Manuel foi para a cidade, estudar na faculdade de Veterinária.
Juan e Pietro ficaram na fazenda auxiliando Abelardo. Juan arrumou uma companheira e teve vários descendentes. Pietro após a mordida da cobra ficara com uma perna manca e, azedo. Nada lhe agradava. Somente quando Manuel voltava a fazenda nas férias, ficava feliz.
E os três juntos retornavam a cachoeira e lançavam-se nas águas cristalinas que jorravam do morro acima.
Manuel se formou passados sete anos. E trouxe seus conhecimentos para o Rancho Gralha Azul, agora com 300 cabeças de gado. Trouxe também sua esposa Adelaide. Seu pai já estava bem debilitado.
Juan e Pietro estavam mais velhos e, não vieram saudá-los na chegada.
Manuel sorriu, achou que era por ciúmes, a amizade esconde carências.
Foi então correndo encontrá-los. Sabia onde estavam. Na cachoeira e lá estavam realmente.
Sentou-se sobre uma pedra e assobiou. Imediatamente escutou os latidos.
Juan e Pietro chegaram apostando corrida. E alegremente abanaram seus rabos.
Nunca se conheceu nos campos de Lages uma Amizade tão grande entre um homem e dois cachorros.
Do autor:
Em noite de acampamento, as fagulhas das fogueiras fogem em direção às estrelas, mas são devoradas pela escuridão.
Assim são as Lendas das coxilhas, quando contadas à beira das fogueiras, fogem em direção às estrelas, mas são devoradas por nossos corações.