Aquele beijo,  ou Ciro Fonseca




 
                               Aquela conhecida  me pegou pelo braço e  foi me empurrando para um canto da esquina.  Deveria ter começado dizendo que estava andando pela rua Direita da minha cidade. Mas tudo bem, vamos em frente.
                               Mas como ia dizendo, a moça, com o olhar afogueado, me agradeceu muito pela dedicatória que fiz a ela. – Mas, minha filha, que dedicatória?  Preciso explicar ao leitor que me lê neste momento, com o  maior interesse, espero, que tenho uma péssima memória.
                               Ela falava do meu livro de crônicas. E não é que eu havia feito mesmo uma dedicatória para ela?
                               Não consigo lembrar os nomes das pessoas que conheço e não tenho coragem de perguntar ao cara, mesmo que o  conhecimento já dure uns    vinte anos. – me desculpe,  qual o seu nome, mesmo?
                               Não, não me interpretem mal. Absolutamente, não é da idade. Desde rapaz  que tenho esses lapsos de memória.
                               Como seria bom que eu tivesse apenas  o problema contado pelo Veríssimo, outro dia.
                               Não sei se já contei, mas com essa moda de beijar as pessoas na rua, o nosso escritor, não acostumado com esses modernismos, apela para sua esposa, perguntando sempre, quando anda na rua : - está vindo ali a nossa vizinha, eu beijo ou não beijo. Fala logo, ela já está quase próxima. Beijo ou não beijo?
                               A primeira dificuldade do Veríssimo, contado por ele, era beijar alguém na rua. Ele é do tempo em que não se fazia isso. Bem,  ele acabou  se acostumando a  dar o seu beijo, dependendo do consentimento da sua esposa. Daí a sua pergunta: - essa eu beijo , ou não beijo?    Acontece, porém, que a moda mudou. A turma passou a dar dois beijos nas faces. E já estamos na moda de três beijos. Uns até dizem assim: - três beijos, pra casar !
                               Mas a coisa  tem piorado.  Estamos na fase ultramoderna, os homens deram pra se beijar também. E é aí que  a  história tem um desfecho engraçado, desajeitado,  o nosso maravilhoso escritor,  acabou beijando um padre  na boca...  Essa história li no jornal há meses, se não me falha a memória...
                               Por enquanto estou conseguindo beijar a turma, três beijos cada, mas nas faces, sem errar uma.
                               O meu problema é outro.  É lembrar o nome das  pessoas.  
                               -  Hi! Lá vem aquele meu amigo carioca, como é mesmo o nome dele?
                               - não adianta, hoje não vou dizer. – diz minha companheira do meu lado
                               - pelo amor de Deus, ele  já me saudou e vem todo alegre me abraçar, ou me beijar, sei lá!
                               - Tá bom, vou dizer,  só essa vez, hein! É aquele teu amigo da jaca manteiga!
                               - Ah!,  porque não me falou logo!
                               -  Ô Ciro, que prazer em revê-lo, estava  pensando em você, com seu nome na minha boca . Não morre esse ano, hein, amigo?