LETARGIA DEMOCRÁTICA

     Suava frio. Mãos trêmulas. Estava quase afônico. Era sétimo desafio. Uma pequena multidão aguardava o seu discurso. Permanecia estático e inseguro. Olhava para os lados, raspava a garganta. Estava no seu quinto mandato e na sexta campanha. Não entendia como as pessoas estavam avessas aos políticos. Nada de cumprimentos. Sem puxa-saquismo. Pelo contrário. A cada comício, novas hostilidades. Ofensas verbais, tumultos, vaias e situações vexaminosas se tornavam rotina. Os gastos com seguranças particulares só aumentavam. Mas o que realmente lhe aturdia, era o fato de não conseguir somar apoios, agregar votos e conquistar eleitores. Pensou ser a recente descoberta e freqüente exposição na mídia de suas falcatruas, conchavos, desmandes e demais ilicidades cometidas como parlamentar.
Não acreditava que o povo pudesse acordar tão subitamente do berço esplendido em que se encontrava. Pensava consigo mesmo: 
          - Não é possível que tenha florescido a consciência política dos brasileiros. Eles me tratam como se fosse o único representante corrupto desse país. 
     Enfim, chegou a hora do discurso. Quando o apresentador pronunciou seu nome, as pessoas presentes vaiaram, proferiam xingos e palavrões. Alguns arremessavam objetos. Outros rasgavam banners e faixas sob o coro de “ladrão!”. Ele não conseguiu sequer saudar os presentes. Naquele momento sentiu que estava realmente acabado. A inocência e imaturidade eleitorais no país eram coisas do passado. Em segundos, reviu sua trajetória e concluiu que jamais voltaria ao parlamento. 
     Quando deu por si, poucas pessoas restavam como platéia e ainda destilavam ofensas contra a sua comitiva. Não teve outra alternativa. Retirou-se abalado com a derrota. A sudorese aumentara. Um ligeiro mal-estar lhe acometia. Começou a sentir falta de ar. Desapertou o nó da gravata. Tudo ficou escuro. Acordou com as batidas na porta do quarto de hotel, dadas por seu fiel e parasita assessor: 
          - Deputado! Deputado! Por favor, acorde, temos que seguir viagem. A caravana espera pelo senhor.
Com os olhos assustados e com voz embargada e ofegante, o candidato respondeu: 
          - Meu caro Adamastor! Você nem imagina o pesadelo que tive! 
          - Não me diga que sonhou que havia perdido a eleição: 
          - Pior! Muito pior! Sonhei que o povo brasileiro finalmente havia acordado...

Sérgio Silva
Enviado por Sérgio Silva em 27/12/2006
Código do texto: T329060
Copyright © 2006. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.