PERÚ
Logo depois de embarcados no aeroporto Benito Juarez em direção à Lima o comissário de bordo distribuiu o formulário que deveríamos preencher para ingresso ao território peruano.
Além dos campos para identificação do viajante, haviam perguntas simples cujas respostas se limitavam ao sim ou não. No balcão da imigração recebemos de volta o canhoto, com o mesmo carimbo aposto no passaporte e a recomendação, várias vezes reiterada, de que “aquele canhoto deveria ser entregue no momento da saída do Perú e que sem ele, ficaríamos retidos”.
Lima é uma cidade de aspecto agradável, limpa e com o trânsito “demoníaco” nas palavras de um nativo nosso colega na viagem ao México.
A sensação de familiaridade que temos ao andar pelas suas largas avenidas é de que já estivemos lá, é como se estivéssemos retornando a um local já visto. Por causa da corrente de Humboldt o frio é de lascar.
O oceano Pacífico esteve todo tempo encoberto por névoa cinza e as ondas que quebram com força nos milhões de seixos rolados que forram a praia do Distrito de Miraflores, produzem, continuamente, o som aterrador de desmoronamento.
Os cormorões utilizam os fios e os pontos de iluminação pública como local de descanso, e são, continuamente, perturbados pelas gaivotas, ávidas pelos peixes que eles conseguiram pescar e que estão sendo digeridos em seus estômagos. Nessa época do ano, o tempo permanentemente nublado não nos deixou ver o sol.
Visitamos o centro de vendas onde pode ser encontrada toda arte artesanal do Perú em tecido, madeira, barro, pedras e metais principalmente a prata.
Há muito bons restaurantes e o espaço Larcomar concentra vários restaurantes, salas de espetáculos, lojas de jogos eletrônicos, parquinhos com brinquedos elétricos para crianças. Assistimos ao espetáculo de danças típicas de origem inca, africana e espanhola.
A culinária do litoral é calcada nos frutos do mar, de aspecto agradável e sabor maravilhoso. A bebida nacional é o Pisco, destilado do mosto de bagaço de uva, aromático e delicioso. Assim como a nossa caipirinha, o Pisco Sauer pode ser encontrado em toda parte.
Trata-se de um coquetel feito com clara de ovo, suco de limão, batido com gelo e enfeitado com uma fatia de limão e algumas gotas de algo amargo sobre a espuma. Delicioso. Das cervejas experimentadas a Cusqueña foi a melhor, mas que fica a desejar se comparada com as brasileiras.
Fizemos o city tour e visitamos o parque arqueológico de Pachacamac que está sendo restaurado; o museu do ouro e o museu Larco de antropologia e arqueologia.
No terceiro dia fomos levados para Cusco onde o city tour se faz a pé porque as ruas estreitas não permitem o tráfego de veículos para mais do que cinco pessoas.
Respira-se história às 24 horas do dia.
A catedral da cidade foi construída sobre o templo inca dedicado ao sol. Os cortes das pedras demonstram a técnica esperada de construção que apesar do invasor europeu e dos terremotos, continua de pé. As pedras apenas superpostas e as portas trapezoidais se movimentam acompanhando e às vezes compensando, em sentido contrário, o movimento sísmico.
Visitamos o mercado central. É impressionante a variedade de milho e batata de todas as cores e tamanhos; pimenta, muita pimenta; diversos cereais; pães artesanais deliciosos; milho frito; a carne de alpaca tem sabor delicioso, é leve e macia.
Conhecemos o centro artesanal e vimos a beneficiamento da lã, o tingimento, o fio e as peças sendo produzidas em teares primitivos. Mesmo contrariando os princípios biológicos de “não alimentar os animais” nos juntamos aos colegas de excursão e alimentamos um baby alpaca.
Na cidade de Poroy (cujo nome é explicado pela lenda que conta que Francisco Pizarro em viagem, cansado de tanto cavalgar, disse: Basta por hoy! E a tropa descansou ali) tomamos o trem que nos levou à estação de Águas Calientes.
Quando a estrada de ferro entra no Vale Sagrado, o Rio Vilcanota que mais tarde receberá o nome de Amazonas, já está com o volume d’água considerável e salta festivo por sobre as pedras do seu leito rochoso, onde várias pessoas pescam trutas e a vegetação rasteira das regiões semidesérticas se transforma na Mata Amazônica.
No fim da linha, embarcamos num micro ônibus e subimos para Macho Picchu.
Fizemos o circuito maior que tem duração de 03h30. Vimos o relógio de sol que as pessoas hoje em dia acreditam receber energias e fluidos benéficos; as pirâmides do Sol, da Lua e o nicho do Condor. Mais uma vez fica demonstrado o conhecimento científico (astronomia, arquitetura, engenharia) daquele povo dizimado pela ganância e estupidez religiosa do invasor.
Aos nossos olhos consumistas, o camponês peruano parece pobre, pois não vimos nenhum portando telefone celular e em suas casas não há TV, nem geladeira, nem forno microondas, nem condicionador de ar, nem fogão seis bocas, nem roupas de grife, nem perfumes importados...
Mas esse povo de aspecto igual possui a riqueza de fazer cinco refeições por dia, composta de vegetais frescos e secos, carne de porco, frango, alpaca, boi, peixe, chá de camomila, capim limão, coca, frutas como laranja, abacaxi, manga...; de ter escola para os filhos; de poder construir as casas com barro e material plantado em sua propriedade que é cultivada no regime de cooperação entre vizinhos; as casas simples são construídas com adobe (medindo 50 x 20 x 20 cm) em parede dupla e cobertas com telhas de barro cozido sobre três camadas de junco, barro e capim para o perfeito isolamento térmico. São rebocadas por dentro com a mistura de barro e cal.
Geralmente as casas têm dois pisos sendo o superior utilizado como paiol para armazenar alimentos; em todos os lotes de terreno há criação de animais domésticos para consumo e bois para tração de implementos agrícolas.
Por toda parte vimos criação dos camelídeos: alpacas (que fornecem lã, carne e couro), vicunha (cuja lã é vendida por US$ 150,00 o quilo), guanaco (que fornece carne e couro) e llama (como animal de carga e fornecedor de cabelo para cordoaria, carne e couro); são cultivadas dezoito espécies de batatas e mais de oitenta espécies de milho; há cultivo de flores e muito mel de abelha; há energia elétrica em todas as casas dos povoados; o frio intenso dispensa a geladeira para a conservação dos alimentos e as pessoas das diversas etnias vivem tal como seus ancestrais, se comunicando nas mais de 180 línguas e dialetos.
Diante de tantas evidências chegamos à conclusão óbvia – não existe miséria naquele estilo de vida simples que todo cidadão gostaria de ter.
No aeroporto de Lima entreguei o canhoto do documento “que não podia levar fim” no balcão da Imigração, o funcionário colocou o carimbo de saída na folha do meu passaporte, logo abaixo do carimbo azul do
“PARQUE ARQUEOLOGICO NACIONAL DE MACHO PICCHU – 100 AÑOS”
e eu voltei para casa que, no meu entender, ainda é o melhor lugar do mundo.