Ainda sobre o Steve Jobs
Eu também queria falar sobre o Steve Jobs, mas o pouco que sei sobre ele não renderia uma crônica. A própria demora em escrever sobre o assunto é um claro sinal disso: eu estava coletando algum material sobre o personagem. E o pouco que sei sobre ele, mesmo agora, não é nada diferente do que já foi dito por aí. Ainda assim, acho que um ponto não foi muito destacado, e eu queria, humildemente, chamar alguma atenção para ele.
O que mais me impressiona no Steve Jobs não é a sua genialidade. Ela existe, é passível de comprovação, e tem sido devidamente alardeada em tudo que se escreve a seu respeito. O que me chama a atenção é a sua paixão – e me parece que ela não tem necessariamente relação com a genialidade. É possível ter paixão por alguma coisa e não fazer nada de revolucionário durante a vida. Mas Steve descobriu durante a vida algo que gostava de fazer, e gostava muito, e ainda por cima tinha talento – imagino que o talento venha antes. Essa descoberta fez com que concentrasse os seus esforços nessa atividade. E isso incluía deixar de dar atenção para outras coisas importantes – como os seus filhos.
Tanto é assim que Steve admite não ter sido um pai presente, e foi essa a razão que fez com que autorizasse a publicação de uma biografia a seu respeito – uma forma de justificar aos filhos os motivos da sua ausência, que não eram outros senão aqueles decorrentes da sua paixão. Mas esse é o lado negativo: o outro permitiu que ele fosse quem se tornou. Steve sabia que gastamos um tempo precioso da vida trabalhando, e conseguiu fazer com que essas horas fossem mais prazerosas. A paixão lhe trouxe o hábito, e com ele o aperfeiçoamento. Com o tempo, só ficou mais divertido e com resultados melhores.
Não é possível dizer que Steve tinha simplesmente ambição – fosse assim e teria jogado tudo para o alto quando recebeu o diagnóstico de sua doença. O que faz com que um homem em suas condições continue trabalhando, mesmo do hospital, mesmo nos últimos dias de vida? Não pode ser dinheiro – ele estava para morrer e não levou nada. Steve havia descoberto o seu talento e, mais do que isso, havia conseguido uma maneira de oferecê-lo à humanidade. Não podia querer nada melhor do que continuar fazendo isso até não poder mais. Essa entrega nos assusta: estamos acostumados com a ambição, não com a paixão.
No seu discurso em Stanford, Jobs incentiva os formandos a buscarem aquilo que amam fazer – e se não encontrarem, que continuem procurando. Nada mais fora de moda: o que vejo hoje aqui em Brasília, por exemplo, é uma feroz corrida para passar em Concurso Público – qualquer um, de preferência que pague bem. Não há criatividade que surja disso. É a simples vitória da ambição, a negação do talento. A paixão esmagada pelo sistema.
Pelo menos para mim, que pouco soube sobre ele enquanto vivo, Steve Jobs passou uma lição dos dois lados da paixão. Reforçou a necessidade da contínua exploração do próprio talento e, sem querer, alertou para os riscos dessa empreitada, manifestos na relação que manteve com os filhos – há coisas que a paixão não pode abrir mão.
Essas foram contribuições que chegaram até mim. E nós nem falamos das inovações tecnológicas.