DENTRO DAS CORES
Ainda era muito, muito criança quando me senti completamente atraída pelas cores e pelas formas. Lembro que minha mãe tinha uns copos de vidro de um azul lindo, outros rosa com linhas douradas. Aquelas cores com aquele brilho me encantavam de tal forma, que o meu grande desejo era estar literalmente “dentro” delas (das cores, não dos copos). Eu era uma garotinha de três ou quatro aninhos apenas, mas lembro e ainda sinto aquela sensação quase êxtase quando contemplava as cores, absolutamente enfeitiçada.
Quando ia à missa com a minha avó, não via o tempo passar. Ficava distraída, olhando as imagens dos santos, da via crucis, os entalhes das portas, o altar... e os vitrais então? Aliás, eu insistia sempre para sentar no lugar onde o reflexo das cores dos vitrais ficasse sobre nós. Era uma maneira de me sentir “dentro” das cores.
Passei a utilizar tudo que gerasse cor quando comecei a rabiscar: esmalte, batom (a caixa de maquiagem da mamãe era um verdadeiro tesouro em minhas mãozinhas inocentes), caco de telha, carvão, sumo de casca de laranja, de folhas, lápis de cor, a caneta-tinteiro do meu pai, dentre tantas outras coisas.
Minha mãe, muito sábia e também muito criativa, providenciava cadernos de desenho, livros velhos com gravuras em preto e branco, enfim, tudo que pudesse suprir, dentro das nossas parcas posses, a minha enorme vontade de desenhar e pintar. Ela também desenhava nas paredes, no chão de cimento da nossa casa, na areia do quintal, e tudo isso me incentivava sobremaneira. Aliás, vale lembrar que a minha mamãe é o máximo!
Depois de desenhar e pintar em tampas de caixa de sapato, capas de livros e cadernos, qualquer pedaço de papel e até em folhas secas de castanhola, com uma produção tão grande que já não cabia nas gavetas, a mamãe tomou a iniciativa de mostrar tudo aquilo ao Coronel Raul, artista plástico admirável, diretor e dono da escola onde fiz o 2° grau (hoje chamado de ensino médio).
O Cel. Raul Geraldo de Oliveira me introduziu no mundo das belas artes através de álbuns, obras de arte, livros e apostilas, além dos seus ensinamentos sobre perspectiva, ponto de fuga, sombra e luz, tipos de tintas, pincéis, e tudo com uma paciência paternal. Foi sob a orientação dele que pintei o primeiro trabalho artístico mais elaborado, óleo sobre tela. Pintei-o quando tinha apenas 14 anos e, modéstia à parte, ficou muito bom.