Piano, Contra-Baixo, Sax, Bateria e eu.
** O texto abaixo é parte de uma cena ambientada num Bar de Jazz em Chicago, onde os músicos estão tocando a música: Over the Rainbow por Chet Baker (link = http://grooveshark.com/s/Somewhere+Over+The+Rainbow/3tTXzS?src=5 ).
Para melhor experimentação e degustação do texto, o Autor sugere que o leitor escute a música primeiro, para depois ler o texto enquanto a música é reprisada.
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Que música! Daquelas que fazem você recordar de alguém em especial. Alguém distante por um adeus ou o velho temor pelo olá... Músicas que trazem pensamentos. Lembranças. Sonhos…
Piano, velho experimentado do amor, pede licença e entoa suavemente. Contra-Baixo o observa de longe em sinal de respeito.
Sax prefere não falar muito - a princípio. Bateria acompanha os três ao fundo. Discreto. Deixam o Piano consolar-se como se fossem velhos amigos.
Sabem como as coisas da vida são embora relutem a entender como todos nós. Quando Piano emudece, os outros afastam o silêncio.
Como no amor (dentro dos seus vai-e-vem), ora Piano, ora Contra-Baixo, ou Sax agudam seus sentimentos em alegria alternando para o grave um de cada vez enquanto os outros se calam.
Bateria continua ao fundo fiel como sempre. Fecha os olhos e imagina onde estaria a doce Gina, sua noiva. Uma dominicana fervorosa dona de dotes de dar inveja a qualquer mulher. Pergunta-se se ela estaria pensando nele neste momento.
Sax recorda-se de Margot, uma jovem forte e vivaz para quem fez juras de amor. Nunca mais a vira após ter partido de trem para Chicago deixando as ruas de Kansas ainda menino em busca de fama.
Contra-Baixo é natural de Tennessee, era um daqueles garotos tímidos -talvez por ser o único branco na antiga escola de Medon. Era o caçula de uma família bastante religiosa, que frequentava a Igreja todos os domingos, assim como a família de Annie. Nutria por ela uma paixão imensa, mas sabia que nunca daria certo. Ele, branco e doze anos, ela, negra e com quase dezoito. Após a morte de seu pai, fora morar na casa de uma tia em Chicago, e para ajudar a pagar por sua estadia, trabalhava como engraxate na sapataria do seu tio.
Piano nasceu e cresceu aqui. Um garoto talentoso, que tocava desde os dez anos de idade com o avô quando esse chegava em casa vindo do trabalho. Aos vinte e cinco anos casou-se com Ritta, uma das garçonetes do bar onde tocava todas as Segundas e Quartas-feiras - separaram-se dois anos depois.
O quarteto se conheceu hoje. Não trocaram uma palavra. Acenaram em forma de cumprimento e começaram a tocar, mas tocam como velhos amigos como soubessem que ambos compartilham uma dor em comum.
Após terem terminado, agradeceram uns aos outros e partiram calados sob o meu e outros aplausos. E por quatro minutos, ao som de Over the Rainbow, não pude dizer a Mannie o quanto gosto dela. Saudade...
- Texto próprio, 2006