PORÃO DOS RATOS

Viemos para Buenos Aires com a intenção de conhecer mais do muito que essa bela e encantadora cidade tem para oferecer a quantos a visitam não apenas uma, mas muitas e muitas vezes. Porque aqui se descobrem imagens e sons, sabores e encantos em cada esquina, em suas enormes e largas avenidas, nas ruas e praças. Ainda no Brasil, através de uma empresa especializada, alugamos um apartamento no bairro da Recoleta, tendo gostado por demais da localização escolhida. Primeiro por ser uma área residencial vívida, latente e movimentada. Depois, por ter inúmeros supermercados, quiosques, padarias, lavanderias, cafeterias, lanchonetes, confeitarias, em suma, ideal para quem não quer perder tempo nem procurando muito para suprir suas necessidades diárias.

Por essas e outras razões, por termos gostado do ambiente, das mudanças na paisagem, no movimento, nas novidades que se nos apresentam aos nossos olhos, resolvemos passar mais um período na capital portenha, continuar nossa estadia pelo prazer de permanecer desfrutando cada momento. Assim, procuramos em algumas imobiliárias, na internet e, em nossos passeios a pé íamos prestando atenção às propagandas relativas a imóveis para alugar nas proximidades de onde estamos. Numa dessas perspectivas, contatamos uma senhora que trabalha no setor imobiliário e ela conversou com a proprietária de um apartamento bem próximo das imediações onde estamos. Imediatamente agendamos horário para conhecer o imóvel.

A dona do apartamento informou que o referido imóvel situava-se na "planta baixa", isto é, no andar térreo. Mostrava-se toda animada e também disse que cobrava oitocentos dólares pelo aluguel mensal. Bom, estava dentro de nosso orçamento, por isso fomos conhecê-lo. A velhota da imobiliária, cuja tosse de cachorro louco originou-se dos anos como fumante, nos acompanhava o tempo todo, sassarica e cheia de gogo. Finalmente chegamos ao prédio do apartamento, numa rua ótima e realmente no mesmo bairro onde nos encontramos. Todavia, de cara não gostei da fachada o edifício. A porta da frente, enorme e alta como as dos demais prédios, era toda de madeira, sem o vidro que nos permite ver o interior, e isso já me deixou meio desencantado. Um tanto sombria para meu gosto, logo comprovei, mas como já estava ali mesmo resolvi ir até o fim.

A tagarela da proprietária não parava de falar o tempo inteiro, elogiando o Brasil, dizendo ter conhecido a Bahia anos antes e que gostava bastante de Vinícius de Morais, Caetano Veloso e Chico Buarque. À medida que falava ia abrindo a porta da frente, a seguir, numa ante-sala melancólica, abriu outra, desta feita envidraçada, e tudo ficando cada vez mais sombrio e soturno. Meu nervosismo aumentava. Descemos uma escadinha, ela abriu mais uma porta, e finalmente adentramos um "buraco", sim isso mesmo, tratava-se do apartamento que ela nos ofertava em aluguel pelo valor de oitocentos dólares. Sujo, velho, abafado, bolorento, toscamente mobiliado, cortinas velhas e ensebadas, lixo em quantidade nada usual, uma TV antiga, um sofá com rasgões e manchado, banheiro que nem cheguei a ver direito tanto nojo senti, uma pocilga como cozinha, pequena e intimidadora, e, o pior, uma escada encaracolada conduzia a um mezanino sobre o qual se via o arremedo de cama mais horroroso que meus olhos já viram.

Meu primeiro impulso ao chegar a esse chiqueiro disfarçado de curral foi sair de lá correndo e gritando minha indignação, contudo em respeito à educação sufoquei esse desejo. Meu coração, porém, tinha disparado de fúria e meus nervos permaneciam à flor da pele. O mais tétrico, além de tudo e se isso é possível, foi a dona daquele porão ter ligado o radinho e toca cd do tempo do ronca com uma música lúgubre de Gal Costa. Aí a coisa piorou, embora ela achasse que aquilo iria contribuir para me agradar. Assim, enquanto a música enchia o ar de tristeza a bruxa ia mostrando o "aposento" realçando, ora vejam!, suas qualidades. Minha esposa percebeu meu desagrado, apesar de que preferiu não demonstrar nada para não quebrar, vamos dizer, o clima criado pelas duas velhotas, a dona do apê e a funcionária da imobiliária, ambas falando e exaltando as "benesses" do imóvel, como se isso fosse possível!

Quando descemos do mezanino, eu completamente arrasado e enfurecido, a mulher que se queixava ser dona de um apartamento quando na verdade possuía um porão de ratos, abriu o portão da grade de ferro para nos exibir a área de sol. Ali a sujeira imperava ainda mais. Por pouco não corri desabalado daquele antro. Minha esposa olhou-me encabulada, fiz gesto para irmos embora dali o mais rápido possível e por fim, quase a ponto de explodir, finalmente conseguimos sair daquela sucursal do inferno, agradeci furibundo e nem me despedi da mulher com tosse de cachorro louco, tão ansioso me vi de sair depressa e desaparecer na primeira esquina. Ah, esqueci de dizer que essa última, toda solícita, teve o topete de me oferecer um cigarro quando ainda esperávamos a proprietária da pocilga, recebendo como resposta um não arrebatado de fúria pela ousadia. Sim, e ela também protagonizou o momento mais enraivecedor do inusitado encontro quando disse que além dos oitocentos dólares eu teria que pagar mais vinte por cento à imobiliária. Se eu tivesse dentes nos olhos...

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 20/10/2011
Código do texto: T3287178
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