Natália, de setenta e dois em setenta e dois meses

Natália era linda, eu a amei, por ela fiz loucuras, dirigi toda a noite para encontrá-la na Ponte da Amizade, compramos bebidas de qualidade, um relógio de qualidade duvidosa e um par de tênis para cada um.

Podem até me perguntar: onde está a loucura em se fazer tudo isto? E eu respondo prontamente, foi no empréstimo bancário que fiz para custear a dita viagem.

Natália ainda era linda, cheia de viço, e por ela fiz um empréstimos cheio de vícios, 72 meses para pagar uma bebida de qualidade, um relógio de qualidade duvidosa e um tênis para cada um.

Eu devo confessar que nutro verdadeira admiração por aquele economista que criou o juro bancário, uma verdadeira arquitetura financeira, com previsões de andares que podem levá-lo até o cume da desfaçatez.

Incrédulo perguntava, como posso estar devendo dez, se já paguei por 4 anos, e o valor original era seis?

Progressões sempre me confundiram, particularmente as progressões geométricas, se aplicadas em juros bancários. Concluí que para pagar o empréstimo que havia feito para comprar produtos de origem nebulosa, exceto a bebida, que embriagava como as nacionais; teria que renovar o empréstimo, pelo mesmo prazo em que ele inicialmente me foi concedido, e para a minha alegria, na renovação me foi dado um valor complementar, que tornava a operação mais atraente, ainda mais atraente que a Natália, que continuava linda, porém quatro anos mais velha, ao contrário dos empréstimos que ficavam novinhos em folha, com a mencionada renovação; e eu continuava devendo por um prazo igual a aquele originariamente acertado...setenta e dois meses.

Existem animais que possuem a capacidade regenerar partes do corpo decepadas; assim como os empréstimos que recuperam o tempo decorrido, decepando as finanças do devedor; como os dramas copiam a natureza de forma trágica e como a Natália não se regenerava depois de cada intervalo das renovações.

De setenta e dois meses em setenta e dois meses os contratos eram renovados, sempre oferecendo valores complementares, que impossibilitavam o pagamento da dívida e assistia à Natália completar mais setenta e dois meses de vida. Eu não podia deixar de ver, as renovações iam em rota de colisão, em direção à Natália, que ganhava uma idade de qualidade duvidosa, ainda que não tenhamos comprado sua idade do outro lado da Ponte da Amizade.

Uma obrigação a cumprir, sempre repetindo o prazo inicial, e uma ternura que sempre me levava a ver uma Natália linda; sim, ainda vejo a Natália linda... eu juro

-Não, juros não, nunca mais juros, eles sobravam no contrato de empréstimo.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 19/10/2011
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