Araguaia
“Meu Araguaia, suas areias cobriram meus pés, seu encanto fez do pranto...”
Já cantava o poeta em 1977, quando eu, saído de Araguacema, morava em Goiania e aparecia um comercial na Tv que tocava esta música. Acho que era propaganda do Colégio Carlos Chagas ou Objetivo, sei lá. O fato é que eu, ainda criança, ficava enciumado: “Que quer esse pessoal aqui de Goiânia cantando o Araguaia, ele é nosso, lá de Araguacema”
Muito já falei de Araguacema e em quase a totalidade dos meus escritos ele, o Rio, está lá, pra mostrar que sem ele talvez existisse apenas Cema.
Na minha infância ele era o nosso melhor parque de diversões. Divertido, perene e gratuito. Eram muitos os portos e cada porto era um porto, embora estes fossem vizinhos, todos tinham suas particularidades. E estas particularidades variavam de acordo com a época do ano. Na cheia ele se apresentava de um jeito e na época das águas, de outro. Devo dizer que em todas as épocas a diversão era grande.
Penso que até ele, o Rio, tem aspirações, pois, por volta do meio dia ele tem sonho de grandeza, pensa que é mar, tenta criar procela e começa a fazer ondas fortes tentando virar os barcos e fica nesse vai e vem agitado e furioso criando cristas brancas espumosas até se convencer de que rio é e o máximo que consegue fazer é banzeiro... com isto, aos poucos vai se acalmando, convence-se que é o majestoso e calmo Araguaia e aquieta-se.
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Quando me tornei adolescente ele mostrou-se um ótimo confidente. Silencioso como só ele pode ser e sem nunca revelar um segredo a ele confiado. Ah... quantas paixões foram pra ele e somente pra ele confessadas. Paixões não correspondidas, desejos não satisfeitos, a namorada alcançada, a mais bonita da cidade, a namorada perdida, tristezas ou alegrias compartilhadas ali para ele, perene e silenciosa testemunha sem nunca aconselhar ou recriminar. Ouvinte fiel. Ao entardecer, para mim, era obrigatório achegar-me às suas margens, na Praça da Alvorada ou ao lado da Gaivota, para contemplar as canoas descendo, os botos subindo, o Inadizim pescando, o coquetel de cores do fim do dia e a mansidão das suas águas a seguir indiferentes a tudo à sua volta. Naqueles momentos de sublime paz eu ficava a sonhar e a fazer planos para o futuro, embalado pelos sons do “fim de tarde às margens do Araguaia”. Eram sons únicos, ouvidos apenas ali e naqueles momentos. Lá, em quase todas as tardes, sozinho ou na companhia de algum amigo, eu fiz planos, fiz promessas que, na maioria das vezes, nunca foram cumpridas e também “sonhei sonhos” que não foram realizados.
Privilegiados são aqueles que podem contemplar o espetáculo de cores e sons oferecidos diariamente às margens do Araguaia em Araguacema. Não se pode mensurar o quão sublime é estar ali a cada dia e a cada momento ao por do sol para testemunhar o que é oferecido pela natureza. As imagens nos fazem voar, sorrir, viajar, planejar, sonhar, chorar, prometer, cumprir, não cumprir, fazer, desfazer, se conhecer ou apenas se embevecer de tanto prazer, por tanta beleza. A cada dia o espetáculo é diferente e jamais repetido. Único! Aquela nuvem, aquele vim-vim, o mergulhão ou aquela gaivota nunca mais estarão ali, emoldurados ou emoldurando imagem igual. São momentos singulares vividos e trazidos na lembrança das testemunhas. A cada sumir de sol tem se a sensação de gozo pleno misturado com tristeza por saber que jamais se verá imagem igual. Amanhã será outro dia, poder-se-á ver outra menos ou mais bela. Igual, nunca mais.
Assim é o Araguaia. Magia pura!
Crônica de minha autoria, publicada no livro "Magia de Lembrar - Intermináveis II"