ADEUS, DOÇURA!

 ...Pois, olhem: eu nunca imaginei que ela fosse tão alta; só agora, há poucos dias, é que notei. Não aaaaalta, escandalosamente alta, mas de uma razoável estatura mediana.
 Sempre, desde pequetitinho, via, na Gabi (vou chamá-la assim), uma criatura rechonchuda (sem ser gorda) e avolumada (sem ser vultosa).

  Gente fina, a Gabi. Nobre. Bondosa.
 Nunca ouvi sua voz, suas gargalhadas, seus áis. Era muda. Sim, muda! e nunca deixou transparecer tristezas, só alegrias. 
 Gostava de presentear; e quando o fazia não se limitava a dar os presentes: doava-se, toda, verdadeiramente. Era a personificação do regozijo. Desdobrava-se para nos agradar. Escancarava-se em sorrisos abertos, amplos, sinceros... Direi mais: coloridos e perfumosos - apesar de serem presentes simples, corriqueiros e, toda vez, repetidos, pois, repetidos, corriqueiros e simples eram os regalos que podia distribuir, de coração.
 ...(Nós? Nós, os beneficiários das gentilezas, como gostávamos das lembrancinhas!)...
 (...)
 Como já disse, eu era pequetitinho quando a conheci; falo, então, num passado de sete décadas; e ela, adulta, rondava os quatro ou cinco lustros de idade. 
 Creio tenha escutado o meu vagido - prélude a l'aprés-midi d'un jeune cuja primeira audição ocorreu em certa data de primavera dezembrina -, embora não estivesse lá, na hora do acontecimento, mas no alto do quintal, onde vivia, à distância de vinte braças do quarto, se tanto.
 ...Acredito, sim; porque, 
naquela época, não havia tanto caminhão, tanto onibusão, tanta motocicletinha peidorreira, mal-educados animais que hoje nos atazanam os ouvidos fazendo escarcéus pelas ruas.
 ...(Carros-de-boi não tinham buzina, e eram os veículos que passeavam no lugarejo. Vez por outra, um fordeco, motor entoando a melopéia "tec-tec-tec-tec-tec-tec"... e só!) 
           
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 Precisei viajar.
 Na véspera, ao sair da chácara, corri os olhos pras bandas da sua morada no quintal de cima, e lá estava Gabi, fofa, silhueta bem proporcionada, silenciosa. Não sei se me observava; e, apressado, não lhe dirigi qualquer cumprimento. Consola-me pensar que não me percebeu naquele instante, ou, até, que estava acostumada e não daria importância a tal tipo de falta de atenção.   
 (...)
 Não demorei a voltar; no tempo dos homens, tres dias de ausência...
 ... - o bastante para mudar muita coisa na vida de Gabi.
 - Onde está ela? - interroguei-me.
 ...Pois, olhem: foi aí que me deparei com uma figura esguia, de carnes chupadas como bacalhau de taquara, alta acima da estatura que alguém pudesse calcular dias antes, quando Gabi tinha aparência saudável.
 ...O mal que a consumiria caminhava, célere.
 Agora, sim, eu senti que me olhava, lá de cima, como querendo me dizer:
 - Está vendo?...
 Na verdade, eu sabia, de algum tempo. Mas tinha esperança. 
 ...Sim, eu tinha esperança.
 (...)
 Precisei viajar, novamente.
 Três dias, e voltei.
 - Cadê Gabi? Cadê Gabi? Disseram-me que iam tentar salvá-la!... - pelo menos entendi assim!...
 Qual, nada!
 Fiquei chocado.
 (...)
 Gabi, Gabi! Você foi um excepcional ser diferente que viveu neste mundo de homens indiferentes.
 Descanse em paz.

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 A gabirobeira do quintal alto, que tantos frutos, tantas doçuras distribuiu durante décadas e décadas, caiu sob a força implacável das motoserras.
 Bem que tentei interferir, para que não fizessem isto. 
 ...Mas, é o que chamam de "progresso": nos espaços onde Gabi reinava serão empilhadas habitações de concreto.

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Out,18.2011