Quase uma novela
- Oh, tia, ganhei um pai !
A moça do caixa do padaria, respondeu um “Ah, é...” mais atenta as contas que aos “bla, bla, blas” da colegial, pelo visto, sua conhecida. A Adolescente, franzina e branquinha continuou :
- Vê se pode, nunca tinha visto, minha mãe nem falava dele, de repente apareceu lá...um “negão da ora, meu “!
- Como ? – Deu atenção a caixa, agora interessada...Não resisti, estava ali esperando mesmo, a moça parecia expansiva, por que não? Tomei coragem e perguntei:
- Legal heim, mas como assim ? Você não conheceu seu pai e agora sua mãe começou a namorar um cara, ou sua mãe reencontrou mesmo o seu pai ?
- Olha, é meu pai de sangue de verdade ! – falou com orgulho – Ele sumiu, logo que nasci. Não faz um mês, cheguei em casa, minha mãe apresentou o amigo; depois percebi que era namorado; aos poucos foi ficando. Ah, foi nisso umas três semanas, até que ela me disse: “Esse é seu pai e voltamos a morar juntos.”
Olhando bem o moça, branquinha sim, mas bem podia ser mestiça, como quase todo mundo nessa terra o é, passou-me, naquele instante, como a vida real podia se resolver de maneira tão trivial ! Fiquei imaginando um caso desses em versão de novela.
No primeiro capítulo, um senhor aparece na cidade, a ex-esposa o reconhece – encontros às escondidas. Surgem as desavenças, mais uns sessenta capítulo, até que finalmente o velho casal vai se beijar e termina um capítulo. Resolvido um , outro drama:
- Quando e como falaremos para a “Belinha” ?
A moça, provavelmente, atriz estilo Carolina Dieckmann com cara de “é só soltar a deixa, que eu choro” ! A esposa, tal uma Patricia Pilar, e o pai que ressurge, certamente algum galã nos mesmos conformes
( fosse um negro de bom tamanho, então ! Mais dezenas de capítulos: um prato cheio sobre o tema discriminação, a aceitação do povo da cidade, tudo resolvido com a correção política, inimaginável á prática parlamentar nacional). Claro, enfim, por volta do capitulo cento e bolinha, a aceitação e o final feliz !
Voltando à mocinha e á padaria, perguntei:
- Mas diz uma coisa, depois de dezessete anos ele surgiu. E, em poucas semanas, já estão convivendo. Mudou muito a rotina, como você está sentindo o lance, a nova vida ?
A garota sem titubear, respondeu, satisfeita :
- “Mo” da hora meu ! Levar sermão de pai e mãe ? .Eu nunca tinha recebido... agora sim ! Tô me sentindo importante. Oh, outro dia, pra sair pra balada, foi um falatório... Ter pai é chato, mas é legal !
Peguei meus pãezinhos e sai pensando: a vida real não tá muito ai com questões de roteiro, tensões e relaxamentos, ao menos nesse caso, e em tantos outros. Sendo muito mais interessante que uma novela, pode se resolver de maneira tão simplória e pouco dramática, que Manuel Carlos, ou qualquer outro, já mais arriscaria – perderia o emprego - Vai ver, por isso fazem tanto sucesso os pastelões.