A curva

Passeios na infância em periferia de cidades pequenas podem ser profundamente marcantes nas mentes impressionáveis de crianças. Numa caminhada dessas, ao passarmos por uma curva de uma estrada, deparamos, eu, e um grupinho de amigos com o que parecia ser um rolo de fumo, imóvel sobre uma pedra. Ao nos aproximar do “objeto”, demos de cara com uma cobra coral, e o susto, a curiosidade, a adrenalina, e os momentos de alegria trazidos pelo evento criaram uma imagem indelével da minha infância.

Anos depois, já adulto, tive que matar a minha curiosidade de voltar àquele lugar, e para a minha decepção, ele não mais existia, não do jeito que estava nas minhas lembranças. A modernidade transformou a estrada numa avenida, e um condomínio de luxo expulsou qualquer vestígio rural do local. O lugar passou a existir somente na minha memória, sem sequer uma fotografia para comparar com a minha imaginação; uma transformação que marcou fortemente a noção do efêmero para mim.

Em dias como os atuais, quando o que escrevo pode ser lido simultaneamente na Austrália e no Havaí , e a presença humana invade áreas cada vez mais extensas no globo terrestre, as lembranças de muitas curvas vão sendo levadas de roldão. E as piores são as curvas perdidas dos reencontros, quando depois de nos apartarmos de pessoas com quem compartilhamos adrenalina e alegrias, confirmarmos que já não somos mais os mesmos, e que as afinidades de outrora não passam de lembranças, substituídas que foram por transformações que não se reduzem ao plano físico.

E assim, de curva em curva, todas as experiências começam a se extinguir em frágeis impressões; e todos os elos começam a se partir, em desconcertante desapego. As transformações, físicas ou pessoais, são análogas ás que ocorreram ao redor da curva da estrada da minha infância. Até que um dia a própria memória resolva nos pregar uma peça final, e apagar qualquer curva das nossas recordações.

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