ELA PRECISAVA OUVIR

Sá de Freitas

Amália ,eu a conheci, formara-se em medicina. Sempre foi dessas pessoas que se julgam melhores que as demais.

Antes mesmo de passar pelos trâmites exigidos para poder clinicar, resolveu ficar uns dias com os familiares, mais para se exibir do que para matar a saudade. Mesmo assim, foi recebida com festividade por todos.

Em um canto da sala, sua avó Nina com os olhinhos brilhando de felicidade, sobre uma cadeira-de-rodas, ansiava por abraçá-la também. Reinaldo, o neto mais velho que não se descuidava dela e muito a amava, trouxe-a para perto da irmã. Esta nem se deu ao trabalho de abaixar-se para lhe beijar a face. Apenas a cumprimentou friamente .

Fingindo nada terem percebido, todos se sentaram à mesa, farta de alimento e de bebida. Nisso a anciã veio lentamente, locomovendo sua cadeirinha e ocupou um espaço rente a mesa. Amália a olhou de soslaio, como se lhe dissesse: ” Fique em outro lugar, menos aqui.” A vovozinha, sem nada entender, deixou irradiar-se um sorriso nos rosto vincado e disse-lhe:

-----Querida netinha, para lembrar os velhos tempos, trouxe-lhe duas balinhas de menta. Quando você era criança eu...

----Pare por aí vovó – Interrompeu-a bruscamente-

O Passado é com a senhora, o Presente é comigo. Aqui não está mais aquela menininha tola que a senhora punha no colo e dava essas porcarias para tapeá-la! Hoje sou adulta, entendeu? Pode tirar isso da minha frente.

Lágrimas rolaram pelas faces da velhinha, que solicitou ao neto a levasse para o seu quartinho. Reinaldo atendeu ao seu pedido e, ao retornar, fitou com firmeza a orgulhosa irmã:

---Vou lhe dizer umas verdades, mana. Nem pense em mexer com a boca

para me retrucar. -Rematou com autoridade. E com feições de quem está disposto a tudo, continuou -

Gaba-se você por ter conseguido esse diploma, mas ainda não aprendeu a ser gente para entender e respeitar os sentimentos das pessoas. Será que não percebeu que a vovó lhe oferecia o que possuía de melhor para demonstrar o grande amor que sente por você? Não vê que aquelas balinhas humildes traziam a grandeza de um coração maior e mais valioso que um cheque de milhões de reais? Não percebeu ainda que nesse diploma que você conseguiu e do qual tanto se gaba, está o suor de toda a sua família que se privou de muitas coisas para que fosse conseguido, todos os meses, o valor necessário à mensalidade da Faculdade, ao seu alimento, à compra de materiais didáticos e ao pagamento do seu aluguel? E saiba: a vovó retirava mais da metade da sua minguada aposentadoria para nos ajudar a completar a quantia necessária. Por isso, por mais que você estude ainda, se não erradicar do coração o orgulho, a vaidade e essa mania de poder, sempre será uma profissional medíocre, uma pessoa indesejável, que todos evitarão, porque você não passa de uma ignorante diplomada , com o exterior bonito e o íntimo horrível, a deter um diploma tão importante, que deveria estar nas mãos de quem realmente o merece.

Amália, pela primeira vez, curvou-se diante das evidências e nem ousou a levantar os olhos para o irmão.

O silêncio foi total.

Um a um foi se retirando da mesa e dirigindo-se ao quarto da pobre velhinha para confortá-la.

A médica ficou só, por muito tempo, a olhar para o teto. De repente, irrompeu-se em soluços, dirigiu-se ao quarto da avó e, na presença de todos, abraçou-a, pediu-lhe perdão e saiu dali pensando seriamente em mudar seu jeito de ser e de agir.

Hoje, fiquei sabendo, ela se dedica, de corpo e alma, em algum lugar desse Brasil, para assistir

aos idosos deficientes, como se estivesse a zelar da própria avozinha que tanto desprezou e que há muito já havia partido.

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Samuel Freitas de Oliveira

Avaré-SP-Brasil

Sá de Freitas
Enviado por Sá de Freitas em 17/10/2011
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