O SENTIDO DA VIDA
Pediu-me um dileto amigo de Mossoró - a cidade onde nasci no distante ano de bonançoso inverno de 1924, num belo mês de setembro, filho de pais trabalhadores e justos –pediu-me, pois, o Prof. Raimundo Antônio, que escrevesse alguma coisa sobre o sentido da vida. Embora eu já tenha 87 anos de idade, detentor, portanto, de uma longa experiência de vida, muitos anos de observação do comportamento humano, analisando-o e acumulando os resultados das minhas conclusões, que até costumava, para usar uma expressão pouco usual, ruminá-las no pensamento. Entretanto, tantos anos se passaram que já sinto a inteligência um tanto embotada pelo tempo para poder expressar o que guardei e dizer meu entendimento ou juízo sobre o tema, o que, para mim, é uma ousadia, pois, esse sentido só Deus, seu Criador e Senhor, sabe. Não vai ser, pois, fácil tarefa desincumbir-me dessa missão.
Quando eu era criança, costumava ficar, por volta das três horas da tarde, sentado no degrau do portão, ou no batente da janela, observando o pequeno movimento da rua: havia dias em que passavam pequenos ou concorridos enterros de pessoas que haviam morado no bairro Paredões, em direção à catedral, onde recebiam a benção do padre; e seguia o cortejo para o cemitério, acompanhado, ou não, do badalo dos sinos, que poderia ser mais longo ou mais breve, com toques de som mais grave ou mais suave, conforme a situação da família do morto. Às vezes, eram criancinhas com os rostinhos pálidos expostos ao sol, cabecinhas coroadas de rosinhas murchas, principalmente as florezinhas brancas e de perfume triste dos chamados Cajados de São José; umas acompanhadas do pai e algumas mocinhas e de garotos, outras conduzidas na cabeça do próprio pai. Para estas não havia sino nenhum. Mas, se se tratasse da morte de um filho de família rica, os sinos tocavam em todas as notas. E eu ficava, sentado na minha janela, pensando em como era “misteriosa” a vida: porque aquelas criancinhas morriam antes de despertarem para os segredos da existência?
Outras vezes, postava-me no portão de trás, pela manhã, e observava um cidadão que morava naquela rua, um misantropo, que, todas as manhãs, passava, vindo do Mercado Público Municipal, onde todos faziam sua feira matinal – passava, cabisbaixo e carrancudo, conduzindo um pequeno balde de alumínio, descoberto, onde se podia ver um pouco de carne, toucinho, algumas verduras e outras coisas (quando era no inverno, de tempos em tempos acompanhava-o um garoto conduzindo uma pequena melancia), que uma preta velha, que morava em sua companhia, adicionando outros produtos comprados na bodega próxima, transformava em frugais refeições. Não sei de sua vida, de sua mocidade; parece que teve uma razoável situação econômica, pois sua casa era boa e bem construída. Se teve família e se fez amigos, não sei. Um dia, correu a notícia: J. A. amanheceu morto! A notícia me chocou, como toda notícia de morte. E eu fiquei me perguntando: meu Deus, esse homem morreu? E ele viveu? A meu ver, “ele passou pela vida, não viveu”, como disse o poeta Francisco Otaviano.
E assim vivi e venho vivendo minha vida de observação e de indagações. Conheci, no pequeno mundo em que vivi mais da metade da minha existência e, já na idade madura, num mundo um pouco mais adiantado, servido e desservido pelo progresso que a evolução da ciência vem proporcionando - sem ela provavelmente eu já teria morrido - conheci muitos casos que me deram bastante material para meditação: pessoas que eram ricas e ficaram pobres, outras que eram pobres e ficaram ricas; famílias que se desuniram por ambição, talvez mais por desamor; casais que se separaram, para tristeza dos filhos, porque não estruturaram sua união no verdadeiro amor, voltados para Deus.
Jesus disse que o maior mandamento era amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, e que esses dois mandamentos constituíam toda a verdade e toda a sabedoria. Ainda na infância conheci uma lenda que contava haver existido um poderoso rei que, mesmo possuindo uma grande corte, uma linda esposa, belos e instruídos filhos e muitos vassalos, certo dia começou a entristecer. E foi se apoderando dele uma melancolia cada vez maior. Todos os médicos da corte e todos os sábios o examinaram e prescreveram todas as fórmulas, mas nada funcionou. Então, um sábio de um país estrangeiro disse que o único remédio certo era ele vestir a camisa do homem mais feliz do mundo. Enviaram então emissários por todos os lugares da corte e de outros reinos e não encontraram ninguém que se sentisse plenamente feliz. Vinham regressando, desiludidos, na estrada, quando passaram num sítio onde viram um homem trabalhando e cantando no seu campo, mas sem camisa. Um membro da comitiva então parou seu cavalo e disse para os outros: por que não perguntamos a esse homem? Qual nada, esse miserável não pode ser feliz. Entretanto, resolveram indagar. Chamaram-no e perguntam se ele era feliz. Respondeu que sim. Plenamente feliz, não lhe falta nada? Não, tenho meu campo, minha família, toda unida e com saúde, tenho meus amigos leais, que mais posso querer? – Então, queremos levar sua camisa, pois o nosso rei está doente e só fica bom se vestir a camisa do homem feliz: - Camisa? Ah, meus amigos não tenho camisa. – Foram à sua casa e revistaram tudo, mas não encontraram nenhuma camisa. Quiseram surrá-lo ou prendê-lo, porém alguém mais sensato demoveu-os dessa idéia.
Esta lenda é bem significativa: a felicidade não consiste em TER, mas em SER. O sentido da vida repousa principalmente em saber amar a Deus, em fazer amigos e cultivá-los, em viver em harmonia com a família, não ter ambição nem inveja; em não desperdiçar o tempo com frivolidades, estudar, trabalhar com dedicação, divertir-se, ser justo e ser humilde em suas relações com os pobres. Aliás, todas as lições para viver feliz encontram-se na Bíblia. Não há necessidade de procurar nos livros dos famosos sábios, homens que estudaram profundamente a vida, tais como Confúcio, Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Montaigne, Martin Luther King, Madre Thereza de Calcutá e muitos outros: Jesus foi o maior Mestre.
Tentei demonstrar ao longo deste texto o Sentido da Vida tal como o entendo; entretanto, terminado o espaço dado, fica para mim a certeza de que o tema é complexo demais para tão pouco espaço.