Só o criminoso é criminoso

"Após regime aberto, esposa de traficante vive em flat. Logo embaixo: campeão de boxe é nocauteado com chute”. Essas duas informações em destaque demonstram a tese de aceitação plena da violência como fenômeno digno de aumento de vendas na área informativa e, portanto mais respeitável do que o uso de drogas. Nunca os meios de comunicação foram tão cínicos no trato com as diferenças do que aquilo que chamaram de “guerra do tráfico” que é a maneira dos grandes monopólios expressarem a sua “guerra ao tráfico”. Guerra sem fim sendo matéria incurável.

A imprensa não sabe lidar com as diferenças por mais que denomine de liberdade de expressão o seu conteúdo especulativo. A violência faz parte da imprensa como o ouro faz parte da mina. No caso do uso das drogas a imprensa perdeu a historicidade da questão. Ela conseguiu recriar sobre a história uma atmosfera vazia de sentido histórico. Preferiu tratar como epidemia atípica da sociedade o fenômeno de quem busca alívio na área química de um modo ou de outro. Prefere e induz os leitores ingênuos ao cinismo chulo. Contolando a opinião para dentro da grande marcha contra as drogas. Apostando todas as fichas na desavergonhada fórmula de que o assassino é a droga. Desconsidera milhões de drogados que nunca mataram uma mosca. Nem sequer perderam o controle da educação formal. Apenas estão doentes ou nem isso dependendo do metabolismo. São milhões de pessoas que nunca fizeram mal a ninguém exceto extrair do pátio uma planta que lhes possibilita uma sensação de praia e liberdade em pleno apartamento fechado num dia sem dinheiro nem afeto. Para citar um exemplo trivial.

Novamente a imprensa articulada aposta todas as fichas sobre o diligente controle das consciências infantis da fase adulta. A falta do estado (que se quer santo e sagrado nas decisões) permitiu que a grande imprensa fizesse das drogas o seu potentado de razões. O repórter mostra: ali está sendo vendida tranquilamente toda espécie de drogas. Um horror! Dois passos dali na farmácia também há drogas e escassez de morfina para cancerosos num absoluto desreipeito a luta contra a dor. Dor que ninguém dá à mínima, exceto as drogas.

O que une os dois argumentos é o grande desreipeito a dor humana. Não faz muito li o excelente artigo do Doutor Dráuzio Varella onde declarava que a medicina atual procura tratar as doenças e curá-las, e que o papel do médico ficou sendo este, portanto quando não há chance de cura o médico abandona o paciente a sua dor. Repetindo: Não podendo curá-la o médico abandona o paciente a dor. Originalmente é aí que entram as drogas sejam quais forem. A generalização arruína a imprensa e a tese.

Preferimos as agressões esportivas do atletismo. O atletismo que deforma corpos provocando grandes lesões futuras e silenciadas. Preferimos à violência explícita como algo espetacular. Preferimos saber que os estrangeiros de países onde as drogas são reprimidas acabam procurando países inteligentes onde elas são liberadas para exercer o tráfico. Prejudicando os países livres. Devemos nos culpar por isso. Preferimos jogar gente saudável nas guerras onde sempre serão lançadas múltiplas drogas como uma recusa de sangue. Ocultar a dor é todo o heroísmo da ação induzida das políticas incompetentes. Ferir o sonho e a contemplação é todo esforço concedido. Estamos muito longe do respeito às diferenças. A mídia não tem argumentação para o capital escuso da miséria. Ela atua como se fosse uma força moral que impele as armas, material estratégico, atuando contra o pacto de pobreza que as drogas fizeram com o direito de sonhar. Direito químico de viver algumas horas sem dor. A grande imprensa não sabe que a miséria e a pobreza possuem apenas o capital da dor. Espécie de estado em si mesmo. Sem lei onde as drogas proliferam como um sossegado luxo da alma. É preciso respeitar as drogas e falar delas com respeito. Jamais com o asco produzido e imprimido pela mídia. É preciso morfina para o câncer! O papel das forças repressivas na luta contra as drogas é um desvio da lei. Drogas e drogados não são criminosos, só o criminoso é criminoso.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 16/10/2011
Reeditado em 16/10/2011
Código do texto: T3279794
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