Tempo de esperas
 


A  mais nociva solidão é que se ausenta de nós mesmos.
(“Tempo de Esperas”, Padre Fábio de Melo, Editora Planeta)


Letras que me proporcionam informação, prazer e respeito pelo autor são as mais belas. (Sunny Lóra). (*)
 


 
A cada vez que me misturo no burburinho dos sábados no centro da cidade, volto para casa com os pés cansados,  mas a certeza que me fortaleci mais um pouco nesta incessante busca da força que vem de dentro. Aos poucos, vou galgando cada centímetro do que preciso e com certeza, o que eu preciso não é material.

Quando vou ao centro, vou à caça, como muitos cronistas fazem no seu dia a dia. E quando se caça, como eu – não animais ou pássaros, mas pessoas especiais e situações inesperadas, me esforço para entender – e aceitar – as enormes diferenças sociais deste país tão lindo.

Observo o desperdício da beleza e juventude de meninas vendedoras (com um trabalho, graças a Deus), de homens idosos entregando panfletos nos sinais de transito e especialmente os vendedores de sapatos, que repetem a rotina estafante durante anos.
 
Outros, mais afoitos e encantados com o som de suas vozes ao microfone, gritam como se corta legumes com o seu produto; o guarda de transito que não se importa com os carros avançando semáforos, fiscais disfarçados de clientes nas lojas cheias, crianças chorando na indiferença de alguns pais, cada um dentro de sua solidão interior.  Fato antigo, todos nós sabemos disso, você pode estar no meio de mil pessoas e sentir a maior das solidões, a que eu costumo chamar de solitude.  

O pior é como as coisas são hoje. Poucos estão preocupados em abraçar com amor, em qualquer lugar, nem nas igrejas (que rende muito dinheiro aos mais espertos), porque cada um está centrado nos seus próprios problemas pessoais. E quantos desses problemas não tem a mínima chance de solução!

Eu me contento quando vejo as jovens trabalhando, mas me entristeço ao ver o velho cansado abaixar-se muitas vezes ao dia para medir dezenas de pares de sapatos, que nem sempre são vendidos.

Seus cabelos brancos bem penteados mostram a juventude que já se foi muito longe. O meu novo amigo trabalha há vinte e sete anos na mesma loja, “sem chance de aposentadoria”, diz ele. Ao levantar-se, noto que ele tem certa dificuldade de caminhar.  Confesso que senti pena, ao procurar o par de um sapato na vitrine e não tê-lo encontrado. Tentou balbuciar algo que a cliente não ouviu, pois já tinha saído da loja, no mínimo achando a perda do par do sapato um absurdo.  (Perdemos pares de meias em casa e nunca os encontramos).

Observo os sapatos de valores muito baixos dentro de cestas – e eu querendo salvar o mundo de novo – poderiam ser doados. Isso é coisa minha, aquela eterna mania de achar que o que sobra não é meu...

Perdi a conta de quantas antenas de TV eu já comprei nos camelôs e que se despedaçaram ao serem desembaladas, mas sou teimosa e insisto em ajudar. Produtos que são vendidos nas lojas populares são repassados para lojas finas, com uma margem de até trezentos por cento de ganho em cada peça. Novidade? Não... Esperteza!

É tempo de esperas, sim. De melhores dias, de amparo real aos idosos, de abraços verdadeiros. Logo este tempo será esquecido, porque nem quando se pode viver um sonho com a duração de alguns momentos, este terá sido apenas um sonho no meio da solidão que assola o mundo.



 
Domingo de outubro, 2011 - Imagens Google

(*) Depois de ler algumas páginas do livro, tudo que consegui foi escrever esta crônica.
 
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 16/10/2011
Reeditado em 24/03/2012
Código do texto: T3279699