GATOS NA RECOLETA

O silêncio nos acompanhava pelas alamedas do cemitério da Recoleta ao passearmos pelos túmulos de importantes falecidos argentinos. Os luxuosos e belos mausoléus iam passando à nossa frente enquanto, admirados, caminhávamos anotando na memória cada detalhe dos entalhes artísticos, dos mármores em suas diversas tonalidades escolhidos para dar um toque de requinte ao ambiente, dos desenhos e das muitas estátuas de anjos, crianças e personagens esquecidos pelo tempo. Procurávamos entre todos aqueles o mausoléu de Evita Perón, o mais famoso e visitado do local, o mais fotografado desde sua morte precoce aos trinta e oito anos. Outros inúmeros turistas também circulavam em derredor, certamente a grande maioria em busca do mesmo objetivo que nós.

Vimos várias infiltrações enfeando o piso do cemitério,algumas ainda pequenas e provavelmente insignificantes, mas outras sobremodo grandes que já apodreciam o chão onde pisávamos, apesar dos diversos funcionários da entidade espalhados aqui e ali conversando animados sem dar qualquer importância a esses detalhes. Malgrado isso observamos grande quantidade de árvores de diversas espécies dando ao ambiente um ar ajardinado, verde, vívido, com pássaros gorjeando alegremente por entre suas folhas, indiferentes quanto a tratar-se de campo santo o espaço por onde voejavam barulhentos. Como eles, algumas pessoas riam e conversavam em voz alta esquecidas do respeito aos mortos, parecendo encontrar-se nalguma praça ou num parque de diversão.

Como não pretendíamos perguntar a ninguém onde ficava o túmulo de Eva Perón, nossa busca continuava incansável. O dia estava nublado, leve brisa afagava nossos rostos e tínhamos todo o tempo do mundo para alcançar nossa meta. Intrigou-nos ver sobre uns mausoléus gatos estranhamente gordos, imensos e de aspecto nada tradicional. Eles nos fitavam plácidos lambendo as patas, circunspectos, apenas por mera curiosidade. Paramos por instantes e os observamos calmamente. Não saíram de onde estavam, apenas nos olhavam com seus misteriosos olhos de um verde esmeralda intenso e se deixavam ficar como se esperassem que algo acontecesse ou, o mais provável, que seus donos, certamente já adormecidos nos túmulos, subitamente levantassem dos esquifes e os tomassem nos braços de forma carinhosas. Ou não seria isso? Afinal de contas, em derredor do cemitério da Recoleta pululam milhares de residências, restaurantes, hotéis, lanchonetes, padarias, etc, então eles poderiam pertencer a qualquer pessoa das redondezas e tinham ido ali simplesmente por razões só por eles conhecidas.

Depois de admirar os gatos grandalhões e obesos, mas com sua beleza felina expressiva, finalmente logramos chegar ao mausoléu de Evita. Um amontoado de turistas tirando fotos de todos os ângulos foi a pista mais forte, quando os vimos entendemos que havíamos descoberto, enfim, o que procurávamos. A exemplo dos demais mausoléus, o dela se apresentava grandioso, fausto, lembrando os nababescos escritórios onde impera o luxo e o desperdício. Como faz todo mundo, nós também fotografamos, lemos os epitáfios e passamos um tempo ali falando baixinho, tirando nossas próprias conclusões, comentando isso e aquilo, opinando sobre o que nos chamava mais a atenção e, satisfeitos, saímos para tomar um café expresso ou um sorvete Freddo, o que estivesse mais à mão. Já passava das dez da manhã e a vida continuava para nós, graças a Deus.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 14/10/2011
Código do texto: T3277251
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