PROFESSOR ROBERTO
Quando iniciei minha atividade docente numa Escola de Ensino Técnico mantida pela Secretaria da Ciência e da Tecnologia, publiquei um artigo num jornaleco que já deixou de existir. Condenei a responsabilidade exacerbada do professor e defendi a eficaz transferência de deveres aos alunos que, sujeitos (e objetos?) da Educação, integravam o processo de aprendizagem.
Boa parte dos livros de Filosofia da Educação atribui ao professor a incumbência de conquistar os alunos e Rubem Alves, filósofo que se valeu da crônica para permitir a milhares o alcance de seu refinado pensamento, igualmente destaca o comprometimento na transformação do comportamento social. Achava injusta a integral responsabilidade do professor, mas fui lendo, relendo, procurando, discutindo, analisando e, passados alguns anos, constato que Rubem Alves estava correto!
Lembro especialmente de um professor de matemática de ensino médio da Escola Estadual José Gonçalves de Mendonça, na cidade de Maracaí. Professor Roberto aparecia na sala segurando uma sacola de supermercado cheia de giz, um apagador imenso e uma régua de madeira de um metro. Mal entrava, enchia o quadro-negro de informações, de fórmulas, de números, de dados, de descrições, de interpretações.
Depois de preencher todos os espaços do quadro-negro, esperava que os alunos copiassem e, durante o tempo de espera, discorria sobre as peculiaridades do direito, questionava as metragens de alqueires paulistas, mineiros e gaúchos, tratava dos procedimentos agronômicos adequados para melhor utilização do solo e maior produtividade do milho e da soja, apostava com os jovens alunos agricultores que daria lucro às suas chácaras, sítios e fazendas se o deixassem administrá-las, apontava as diferenças entre métodos de ensino e, mais importante, valia-se de sua condição de professor para conversar, dialogar, compartilhar idéias, corrigir os equívocos, parabenizar pelos acertos, reconhecer as limitações de suas argumentações e, humildemente, se colocar no mesmo patamar dos estudantes dando-lhes, de maneira genial e discreta, o conforto necessário para seguirem seus caminhos nas descobertas e na produção do conhecimento.
O comportamento cortês e atencioso, jamais querendo evidenciar-se superior, proporcionava uma conversa sincera e fluente que enveredava não apenas na escola, mas também na rua. A solicitude nos aproximara de tal maneira que o convidamos, no último ano do ensino médio, para participar do churrasco em um sítio à beira do Rio Paranapanema.
A diferença de idade entre ele e nós, os alunos, parecia sem importância. Em dezenas de vezes, seu espírito jovem derrubava os preconceitos que nós, alunos com menos de dezoito anos, tínhamos em relação a temas como vida, futuro profissional, iniciativas, família... Quando afastava os lábios, silenciávamos completamente: suas palavras formulariam mais do que simples opiniões. Suas palavras nos transmitiam lições que levaríamos – e continuamos levando – vida afora.
Por um motivo de paixão, escolhi profissões, ocupações e ofícios que sempre me lançaram aos trajetos das letras e da Literatura. Se hoje, quase trinta anos, pouco sei de expressões numéricas, desconheço as equações de primeiro e de segundo graus e não faço a mínima idéia do procedimento de transformar regras de três na descoberta de juros que pago em um empréstimo ou no cheque especial, a culpa é inteiramente minha que esqueci as lições aritméticas, mas lembro perfeitamente do grande mestre Roberto.
Por uma dessas coincidências e percalços do destino, lecionei Filosofia e Sociologia para uma turma de pedagogia. Ao fim do curso, pedi às alunas que escrevessem anonimamente suas críticas e reclamações. A falta de identificação garantia a tranqüilidade de “baixarem o cacete” em minha metodologia. Em casa, abri as folhas das críticas e sugestões. Surpreendi-me: mais de noventa e cinco por cento elogiavam a maneira de dar aula, a atenção em explicar inúmeras vezes, a paciência de conversar sobre assuntos diversos.
O sucesso conquistado na sala de aula se deve, em grande parte, ao professor Roberto Tadeu Sizotto a quem resumidamente direciono duas palavras que são poucas, mas essenciais: muito obrigado!
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 14 de outubro de 2011.