Crônica de 12 de outubro (IV). Chuvas de primavera sobre Goiânia.
Crônica de 12 de outubro (IV) – chuvas de primavera sobre Goiânia.
Agora está firme o tempo das águas. E é primavera. A terra parece estremecer levemente de regozijo, com as sementes inchando, abrindo e brotando em seu ventre, além da imensa variedade de anelídeos e insetos que reviram o solo superior, em busca de alimento.
O chão das praças públicas de Goiânia verdejou rapidamente. E respiramos gostosamente, com o ar úmido. Os cartuchos de flores incham, no arvoredo composto por flamboaiãs, guarirobas, sibipirunas, ipês rosa e amarelo, bacuris, jamelões, e palmeiras imperiais, que compõem os jardins da cidade. No meu quintal, florescem as pitangueiras e já amadurecem as primeiras cargas de frutos de duas jabuticabeiras. Além disso, vão inchando no pé uma boa carga de mexericas pokãs.
De fato, com a mudança do tempo, muda o humor da gente do centro-oeste – Aquela pressa ditada pelo tempo rude e seco se esvaiu. As pessoas parecem mais predispostas ao diálogo e à fruição do mundo ao redor, através dos sentimentos e dos sentidos.
Com a prenhez da terra, parece rebrotar em todos uma cativante energia, que enche a todos de objetivo e disposição. Caminhando aos pares pelas ruas, as moças parecem sutilmente viçosas e tesas. E os homens, sentindo a mesma contrapartida, reagem com seu humor fustigante às suas passagens, não podendo evitar os olhares lânguidos e os gracejos datados. E as crianças, com seu olhar ainda livres de ideias pré-concebidas, esquadrinham cada metro de calçada, rua e loja, sempre descobrindo um motivo para tentar arrastar os pais em alguma direção inesperada.
Somente a estrutura mal conservada das obras e equipamentos públicos parecem se ressentir da chuvarada que cai sobre a cidade. Bueiros não suportam a pressão da água, o asfalto rachado vai cedendo e sendo levado em placas, pela enxurrada, os semáforos entram em pane, as caixas dos córregos não suportam o volume da enchente e transborda, as árvores das ilhas e praças (espécies exógenas e mal escolhidas) desabam sobre os carros e, e a rede de energia elétrica entra em pane (ah, CELG, os responsáveis pelo seu estado de falência tem nome, CPF e endereço conhecido...). Mas, isto não é novidade, sendo quase uma reputação do que ocorreu em anos passados.
E não nos comovemos tanto. E vamos nos virando, no meio do caos momentâneo, estabelecido por cada chuva que cai.
Mas, o humor dos goianienses não se abala. E eles vão felizes pelas ruas, pois agora se pode sair e demorar no bordejo pelas ruas, em busca das vitrines renovadas, encher os olhos e comprar frutas de época exposta nas bancas sobre as calçadas, se deter diante das bancas de revistas, ir atrás de um pequeno conserto de objeto pessoal (enquanto ainda se encontra gente para isso), passar na lotérica para pagar umas contas e fazer uma fezinha na mega sena acumulada, assistir a um show cultural à noitinha (parabéns, prefeitura!) na calçada da Avenida Goiás ou Cine Ouro, ou mesmo, ser surpreendido pela chuva na rua e correr contente para se esconder dela, embaixo de uma marquise.
Descendo a rua 3 procurando o rumo de casa, não consigo mais me fixar na solicitação mental de meditação sobre o rumo dos meus dias, interditadas diante da imagem hipnótica da chuva sobre o para-brisa do carro e, mais adiante, a alegre imagem da cidade refletida no asfalto molhado.