Derramei o vinho

Num voo entre Roma e Lisboa, não rejeitei a oferta de um copo de vinho pela elegante aeromoça, quando servia a refeição. Naquele trecho, imaginei que seria italiano ou português, portanto, de boa qualidade. Viajando na classe econômica, que já é um privilégio para um pobre matuto como eu, a arrumação dos volumes naquela mesinha exige certo cuidado, principalmente com líquidos. Quando havia tomado mais ou menos metade do vinho, sem nenhuma razão para qualquer efeito etílico, eis que algum movimento me fez derramar o resto no vizinho de poltrona, no lado do corredor. Espontânea e instantaneamente, saiu o pedido de desculpas, em português. O passageiro, sem dizer uma só palavra, levantou-se subitamente e foi ao banheiro, naturalmente para tentar diminuir a mancha da calça. O vinha era tinto.

Fiquei arquitetando para pedir-lhe desculpas em inglês, espanhol ou italiano, quando ele voltasse. E tome-lhe desculpas nesses três idiomas, com o meu sotaque nordestinês. Não satisfeito, perguntei-lhe ainda qual o seu idioma, como forma de obter o perdão da minha gafe. Ele simplesmente respondeu, certamente num português melhor do que o meu: “PODE FALAR NORMAL MESMO”.

E o pobre matuto, que bem poderia ter ficado apenas com a gafe do vinho, cometeu mais uma: falar em outro idioma para um português de Lisboa.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 14/10/2011
Reeditado em 14/10/2011
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