Rei sem trono...
Numa manhã ensolarada, Isis caminhava pela Avenida Marechal Deodoro, em São Bernardo do Campo. Entre os transeuntes, de repente, viu um menino que tinha o mesmo olhar de Vitor. Sentiu uma imensa saudade.
Ela fechou os olhos, girou a linha do tempo e transportou-se ao passado, quando conheceu Vitor, foi numa tarde de verão, quando o sol já se encaminhava para o ocaso.
Naquele dia, a jovem em silêncio limitou-se a observá-lo...
Parecia enfeitiçada, sua alma mergulhou no mundo íntimo do menino para desvendar sua vida.
Vitor parecia hipnotizado, seu olhar doce passeava pelo rosto de Isis adivinhando seus pensamentos. Eram duas almas seduzidas pela afinidade...
Com o rosto de uma palidez marmórea e pés nus, o menino se encontrava sobre uma pequena escada, que se ligava à entrada do seu barraco.
Aquele rosto de anjo amenizava o ambiente melancólico em que vivia.
O barraco se equilibrava sobre um riacho poluído, onde as águas soluçavam noite e dia.
A jovem parecia ouvir o eco das águas, que enlouquecidas diziam: “nascemos no seio de uma fonte virgem e bela. Ao longo do nosso curso, ficamos poluídas por onde passamos, agonizamos e morremos na foz. Somos tão vítimas como o menino Vitor que aí está!”
Isis, pensativa, falava de si para si: “Tudo isso é fruto de uma sociedade injusta, onde muitos vivem na opulência, enquanto outros são os privilegiados da miséria”.
A moça contemplou o semblante de Vitor e sentiu seu coração pungir.”
Nunca hauriu o ar puro, pois conhecia bem as chaminés que exalavam o odor de enxofre.
A aurora tinha cor de fuligem. As estrelas perdiam seu brilho, sendo ofuscadas por negras nuvens que ziguezagueavam no céu.
Essas imagens tornaram-se reféns nas entranhas de Isis, provocando um turbilhão de emoções.
Vitor se tornou um paradigma na vida da moça, símbolo de fé, de doçura, de amor e esperança de dias melhores.
Nos dias frios e chuvosos, a jovem lembrava-se dos buracos calafetados com trapos, papéis e plásticos, que enfeitavam o casebre do menino.
Certo dia, a lua resplandecia seu quarto descortinando seu pensamento.
De inopino, vislumbrou a figura do menino que lhe sorria. Com o coração saudoso iniciou um monólogo:
O menino de olhar doce, sorriso meigo e pés nus,
encontrava-se numa escada, que não era de mármore de Carrara,
mas de tábua de caixão.
Rodeado pelos irmãos, como se um rei ele fosse.
Num trono pobre e vazio.
Em vigília, nas noites frias, velava pelo sono de:
João, Pedro e Maria.
Quiçá o menino da favela tenha sobrepujado a miséria.
Assim, o homem faz sua caminhada, entremeada de rosas e espinhos, numa luta árdua para vencer os reveses da vida.
Aqui aproveito para homenagear a classe heróica dos professores. (15/ 10/ 2011)
Essa crônica nasceu de um trabalho de escola feito em uma favela.