Estão falando de mim
Senti meu corpo bater com ímpeto contra aquele chão frio. Quando olhei para trás notei que havia tropeçado em uma pedra. Ela era feita de ouro bastante reluzente. Uau! Havia muito mais delas. Eu estava fascinado por aquele chão também. Tudo brilhava. Nossa! Era tudo ouro. Ouro puro! Ouro fino! Eu não conseguia compreender como fui parar ali. Só me lembro de sair do trabalho, passar na casa de Caio, meu melhor amigo (pelo menos eu o considerava assim) e ir à rua comprar crédito para meu celular. Recordo-me de que, após recarregar meu aparelho, encontrei um colega de faculdade do outro lado da rua que gritou meu nome. Eu estava atravessando a rua. Não lembro mais de nada!
Mas, afinal, por que estou sozinho neste lugar?
– Você não está sozinho!, disse uma grave voz que ecoou com uma sonoridade incrível aos meus ouvidos, enquanto contemplava a beleza daquele lugar. Acompanhado pela voz, pude ouvir passos vindo em minha direção. Era um homem vestido de branco. Suas vestes brilhavam mais do que tudo que existia ali. Ao se aproximar de mim, que permanecia no chão, e agora com mais dificuldade ainda de se levantar, ele fez um círculo no ar com a ponta do seu dedo e disse:
– Assista ao final de sua vida.
– O quê?, perguntei, mas me calei ao notar que a resposta estava lá. Eu podia ver a Terra! Como um sinal de satélite, aquela imagem foi se aproximando, quando – de repente – pude ver meu irmão, minha mãe, e aquele ali era meu pai. Não! Ele está chorando? Eu nunca vi algo parecido. Todos estão chorando! Naquele caixão ali sou, sou... O anjo respondeu:
– Sim, é você. Não perca os últimos momentos de sua efêmera vida terrena. Esses derradeiros instantes vão lhe responder, com bastante precisão, o que você representou para todas aquelas pessoas. Preste atenção!
Dei então ouvidos ao anjo. Era Caio quem estava falando. Ele disse que eu fui para ele um grande exemplo de pessoa e o melhor amigo que alguém poderia ter. Disse que gostava de mim mais do que qualquer outro amigo e que jamais se esqueceria de mim.
Nesse momento, eu lembrei o que me fez sair da casa de Caio naquele dia do meu falecimento. Na verdade, eu fui lhe contar uma notícia boa que eu havia recebido, mas, como ele estava ocupado numa sala de bate-papo da internet, com um amigo que acabara de conhecer, eu não demorei muito tempo em sua casa. Lembro-me de suas últimas palavras dirigidas a mim:
– Esse tal de Alldisturb é um dos melhores jogadores de hóquei da Europa. Você queria me perguntar algo? Falou sem tirar os olhos da tela.
– Legal!, respondi, não era nada. Preciso ir à rua resolver algo. Depois conversamos melhor. Tchau!
Ele estava tão entretido que só conseguiu balançar a cabeça. Mas isso que ele está dizendo agora me fez refletir: se eu soubesse que ele gostava tanto de mim, não teria saído de sua casa naquele momento; não teria ido comprar crédito para telefonar para outro amigo para poder lhe contar a notícia que recebi; não teria atravessado a rua e não teria me distraído com o colega que me gritou do outro lado da calçada; o ônibus também provavelmente não teria me atropelado.
– Puxa vida! Estou me distraindo! Não posso perder mais o que as pessoas têm a dizer sobre mim.