Com os que não veem...

                    O cego é um vencedor
                    Enfrentando a escuridão
                    Sempre precisando do auxílio
                    Do amigo e do irmão
                    Quando encontrá-lo na rua,
                    Estenda-lhe a sua mão.

                                            Celso Florêncio

     Aboletado no décimo terceiro andar de um hotel da Avenida Beira-mar, estive, recentemente, em Fortaleza. Portanto, dormindo e acordando nos braços do esmeraldino mar de minha terra natal. 
     Mar diferente do mar da Bahia que é de um azul profundo; e como creem os baianos, abençoado por Iemanjá, o mais querido dos seus Orixás.
     Mas a Avenida Beira-mar é muito extensa, dirão os interessados em saber onde, de fato, eu me hospedei.
     Saibam todos que eu fiquei na volta da jurema, de onde podia ver a praia de Iracema e as jangadinhas do Mucuripe, no seu vaivém, o dia todo, e à noite também.
     Estava a dois passos da Peixada do Alfredo, o restaurante de minha preferência, desde rapazinho, onde se come um saboroso pargo, aqui na Bahia conhecido como vermelho.
     Mais alguns quarteirões, e podia driblar o calor de mais de 30 graus, degustando, na sorveteria "50 sabores", um sorvete diet de cajá, com gosto de cajá.
     Como veem, fiquei num dos locais mais aprazíveis e românticos da insinuante capital cabeça-chata...
               
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     Nesta minha estada em Fortaleza, aproveitei para conhecer a Sociedade de Assistência aos Cegos, SAC, uma instituição modelar, presidida, com desvelo e competência, por Maria Josélia Almeida, há 50 anos vivendo-a intensamente.
     Tinha que fazer essa visita. Afinal, na Biblioteca da SAC estão algumas de minhas crîonicas, em Braille, o que muito me envaidece.
     A exemplo do que acontece com o Instituto Benjamin Constant, inagurado por Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, em setembro de 1854, a Sociedade de Assistência aos Cegos do Ceará é, sem sombra de dúvida, um centro de referência, a nível estadual, nas questões relativas à deficiência visual.
     Centenas de cidadãos, que nasceram cegos ou por isso ou por aquilo perderam a visão, são acolhidos nessa benemérita Sociedade, fundada em 19 de setembro de 1942. 
     Um acolhimento, vale ressaltar, sem qualquer tipo de discriminação ou privilégio.
     Recebem assistência médica, psicológica e pedagógica, eficiente e devotada, em pé de igualdade, os ricos e os pobres que a procuram.
     E saem de lá, ou lá permanecem, conscientes de que uma pessoa, por ser cega, não perde a cidadania. 
     Na SAC, pois, inclusão é a palavra de ordem.
     Comoveu-me ver como a Sociedade dá integral assistência a dezenas de criancinhas cegas, a maioria de pequenos recursos financeiros. 
     Todas têm atendimento médico, escolar, e alimentar, nos dois turnos. 
     E o mais importante: ouvem dos que fazem a instituição, que eles são úteis e capazes como qualquer cidadão, tudo obedecendo um moderno processo que promove a inserção social do deficiente visual.

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     Enquanto percorria as dependências da SAC - suas salas de aula, de recreio, seu restaurante e sua Biblioteca -, e diante da realidade de cada cego que de mim se aproximava, lembrava-me quão frágeis sãos os versos do poeta Vicente de Carvalho, que aqui transcrevo: "Ver é o supremo bem...E eu insisto em cismar/ se a alma será, talvez, uma função do olhar./ Cegos, nunca saibais verdade tão dorida/ para a cegueira: o olhar vale mais do que a vida!"
     Os que não veem também vivem, e bem.

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     Se algum dia esta crônica cair nos "olhos" de uma pessoa cega, peço-lhe que se lembre da figura de um dos maiores oftalmologistas deste país: o doutor José Cardoso de Moura Brasil. (Recorda-se, por acaso, o leitor do colírio Moura Brasil? Ardia, paca!)
     Tão competente e caridoso foi este especialista que, volvidos tantos anos de sua morte (10.01.1929), ele ainda é reverenciado tanto pelos  que veem como pelos que não veem. 
     Humberto de Campos, descrevendo-lhe o perfil, diz que o nome desse famoso médico cearense  "enchia o país". E que a sua popularidade se estendia "dos seringais do Amazonas às coxilhas do Rio Grande do Sul". 
     Que o espírito e o exemplo do doutor Moura Brasil - e aqui, em pensamento, presto uma homenagem aos médicos da SAC; os de ontem e os de agora - que o espírito e o exemplo, redigo, desse saudoso oculista conterrâneo esteja em cada canto da Sociedade de Assistência aos Cegos de minha terra, que, com alegria e orgulho, acabo de conhecer.

Notas - 1) Os versos que abrem esta crônica os tirei de um poema de Celso Florêncio do Nascimento, um cego assistido pela SAC.
            - 2) Amanhã, 14 de outubro, é o Dia Mundial da Visão. Hoje, faltam recursos para combater a cegueira. Principalmente nos países menos desenvolvidos onde vivem 90% dos cegos!

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 13/10/2011
Reeditado em 13/10/2011
Código do texto: T3274470