Liguei para o celular do deputado

Não é de hoje o meu relacionamento com a Câmara dos Deputados. Há alguns anos eu tive autorização para ligar no celular pessoal do então deputado Gustavo Fruet. E liguei. Gostei tanto que liguei duas vezes. O que mais me interessava nele era o fato de ser filho do seu pai. Maurício Fruet, o pai dele. Também foi deputado, além de prefeito de Curitiba. Figura engraçadíssima, pelo que dizem. Cheio de histórias para contar. O Luiz Alfredo Malucelli, que coleciona histórias, tem várias dele. Algumas, impagáveis. Uma vez, Maurício Fruet estava na companhia de outro deputado quando alguém lhe pediu o favor de transportar um maluco até o hospício da cidade. Maurício aceitou e o doido embarcou, sem que o outro deputado soubesse da sua loucura. Inventou alguma história qualquer para explicar a presença do homem. E quando chegou ao hospício, Maurício desceu do carro e foi falar com o porteiro.

- Estou com dois loucos aí no carro.

- E eles são perigosos?

- Um deles é inofensivo. O outro vai dizer que é deputado e talvez reaja.

Bom. Mas eu não queria falar nada disso. O que eu dizia é que falei com o Gustavo Fruet por causa do seu pai. É que Maurício havia lutado pelo pagamento de royalties aos municípios alagados com a criação da Usina de Itaipu. A defesa dos royalties também havia sido uma das campanhas da Gazeta do Povo – esse era o jornal em que eu trabalhava. E como eu buscava personagens importantes na história do jornal, e o Maurício já havia falecido, falei então com o deputado Gustavo Fruet.

Fiz tudo direitinho: falei com sua assessora, ela falou com o deputado, o deputado me autorizou a ligar para ele, liguei, fui educado e fiz as perguntas que precisava fazer. O que eu não contava é que justamente na hora em que perguntei a ele sobre a história dos royalties o telefone dele ou o meu começasse a falhar e a história ficasse cortada. Quando terminei a conversa e fui ouvir a gravação, dei-me conta de que não conseguiria fazer a transcrição: faltavam partes importantes da história. Bolas, a minha fase não era nada boa com essas tecnologias. Alguns dias antes, eu já havia deletado, por distração, toda a conversa que tivera com o fotógrafo José Kalkbrenner Filho. Agora, havia conseguido entrevistar um parlamentar e perdido a parte mais importante da conversa.

Não havia outra saída: eu precisava ligar de novo. Considerei a inconveniência daquela nova ligação. Ora, um deputado provavelmente está sempre ocupado. Mal deve ter tempo para respirar. Deve estar concentrado com coisas mais ou menos importantes, como o futuro do Brasil. Pois ainda assim, liguei de novo. E consegui ouvir a história completa.

Hoje em dia, quando tenho a oportunidade de ir ao Congresso vez ou outra, percebo que eu não precisava ter tantos escrúpulos em ligar para um deputado em seu horário de serviço. Afinal, se tem uma coisa que eles fazem o tempo inteiro é justamente atender ao celular. A menos que estejam discursando, eles interromperão o que estiverem fazendo e atenderão. Principalmente durante uma audiência pública. O Fernando Gabeira vive atendendo um celular com toque da década de 20. Mas enfim. Isso não é culpa do Gustavo Fruet – que, aliás, me parece um sujeito votável. E se eu nunca me animei a puxar assunto com um deputado no Congresso, também não é por culpa dele.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 13/10/2011
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