A última entrevista do doutor Moysés Paciornik

Paulo Camargo, foi ele quem me colocou dentro da redação da Gazeta do Povo. Duas semanas antes, ele havia participado da minha banca de jornalismo. Esteve entre os professores que discutiram qual o melhor futuro para mim na profissão. Foi o único, no entanto, que fez alguma coisa prática por ele. E fez isso passando por cima da opinião de outra professora: “Henrique, não vá trabalhar em redação agora. Fique estudando”. Eu teria ficado, de muito bom grado, caso isso garantisse algum rendimento no final do mês. E então Paulo Camargo me colocou dentro da redação da Gazeta do Povo, e eu não me opus.

Não era para trabalhar no Caderno G, o caderno de cultura do qual ele é editor. Também não era para escrever crônicas – eles já contavam com o Cristóvão Tezza, que havia ganhado o Jabuti há pouco tempo e, portanto, estava com alguma vantagem sobre mim. Era, enfim, para um projeto especial: o jornal estava para fazer 90 anos e precisava de mais um free-lancer na equipe que iria produzir cadernos comemorativos. E lá fui eu.

Entrei na redação, procurei o Paulo Camargo, e ele me indicou as pessoas que estavam tratando do projeto. Fui até eles e, sem nenhum teste de seleção, comecei a trabalhar. Minha missão era entrevistar antigos colaboradores e colunistas do jornal. Devia arrancar deles alguma frase bem sacada sobre a participação que tiveram na Gazeta. Mas antes de tudo, eu devia descobrir quem eram essas pessoas – sim, a gente não sabia.

Logo descobri o nome do médico Moysés Paciornik. Um antigo cronista. Ginecologista, 94 anos. Clinicava ali perto da Gazeta – com essa idade, ainda clinicava. Famoso por defender o parto de cócoras, método que observou com os índios caingangues – ou melhor, com as índias caingangues. Gostava de gravata borboleta e vestia branco. E, pelo que me diziam, era uma pessoa divertida. Pois bem. Vamos ver o que o velhinho tem a dizer sobre suas crônicas e sobre os 90 anos da Gazeta – portanto, mais nova do que ele.

Era 23 de dezembro, dia conhecido por ser a véspera da véspera de Natal. Talvez não fosse a melhor época do ano mas, mesmo assim, eu resolvi ligar para o bom velhinho. Disquei então o número de sua clínica. Na primeira tentativa, só ouvi chiado. Não consegui falar com ninguém e muito menos ouvir. Passou um tempo e tentei de novo. Ainda estava chiando. Como eu tinha muitos outros personagens para entrevistar, deixei o doutor Moysés de lado. Tentaria de novo depois do Natal. Na semana entre o Natal e o Ano Novo. O que são dois ou três dias para quem já tinha vivido 94 anos? Ele podia esperar.

E veio o Natal, e foi-se o Natal. No dia 26 de dezembro, quando eu ainda não havia voltado a trabalhar, leio a notícia: o doutor Moysés Paciornik havia morrido. Sofreu uma queda na casa de familiares no Rio de Janeiro, onde comemorava a data.

Em suma: a humanidade jamais saberá o que o doutor Moysés Paciornik diria em sua última entrevista.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 13/10/2011
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