Ministério RL
Ministério RL
(Transcrição da entrevista coletiva concedida na Esplanada dos Ministérios, minutos atrás).
- Quer dizer que o sr. contratou todo o seu ministério, o ministério do seu governo, pela internet?
- Sim – respondi – são os tempos. Você aí, pode perguntar...
- Quem fica com a pasta das Relações Exteriores?
- A Marília – respondi – Por que? Porque ela fala inglês, e é uma simpatia. Acho que isso diz tudo. Não basta falar tcheco, húngaro ou coreano para se relacionar com o exterior. O exterior fala inglês, e ainda por cima sorri. Chega de gente carrancuda. E depois, pasmem, em governos anteriores soube-se de ministros que nem português falavam direito. Meu governo é sério. Vocês leram o Discurso de Posse?
- Sim excelência, uma maravilha, esse texto deveria entrar para a lista dos 1001 textos para se ler antes de morrer, ou coisa que o valha. E a pasta da Economia?
- Ué? – encolhi os ombros, espantado – para o Léo, óbvio. Eu penso o seguinte, raciocinem comigo. O Léo é viajado e, para se lidar com economia no nosso país é preciso ter a mente aberta. Pessoas que viajam bastante reúnem essa característica. Senão fica aquela cantilena de taxa de juros, inflação, etc., ninguém agüenta mais.
- Mas ele tem 3 nomes!!? – protestaram.
- Pseudônimos. Vão até a página P do dicionário e corram com o dedo indicador até essa palavra. Pseudônimo é coisa de quem escreve. E no meu governo ele será o único ministro dessa pasta, diferente de governos anteriores, que mudavam os ministros a cada 6 meses.
- É verdade que o sr. cogitou em mudar o ministério da Cultura?
- De jeito nenhum – protestei, sanguíneo –Nossa ministra da Cultura chama-se Maria Olímpia Alves de Mello, Merô para os íntimos, embora eu a chame de Pia. Foi a primeira a assumir o cargo e vai muito bem. Vocês leram o Discurso de Posse?
- Maravilhoso, Excelência, uma obra prima, deveria ser traduzido para 29 idiomas. E que negócio é esse de Ministério da Medicina ao invés de Saúde?
- Como? – volvi, um pouco mais calmo – o povo está sem saúde, percebe? Eles precisam, urgentemente, de medicina, medicina aplicada, para que um dia cheguem na saúde.
- O sr. já tem um nome?
- Não, mas a internet vai resolver. Agora, anotem aí, Educação terá 3 nomes, 3 ministros de uma só vez, se eles não resolverem, ninguém resolve. Estão anotando? Ângela, Raí e Edna. Depois eu passo os links e os nomes completos. Vamos lá, anotem, senão não acabamos isso hoje. Como? Ah, ministério da História. Isso é outra pasta. Convoquei o Jorge Luis da Silva Alves, o que o cara sabe de história não é brincadeira. Nosso país anda muito ignorante. História vai entrar na marra. Para tirar carta de motorista o gajo vai ter de saber quem foi o Degradado de D. Manoel, qual o nome da moça que D. Pedro cortejou em Paraitinga, por que batizaram uma fragata da marinha com o nome de José Marcelino de Souza, quem foi o companheiro de viagem do governador da província de São Paulo em 1868, essas coisas. Senão não tira carta. Nem carta, nem bilhete único. Burro anda a pé. O nível das conversas está insuportavel – violência, sexo, futebol, balada. História dá perspectiva ao individuo, senão ele vira um papagaio desnorteado. Hã, que mais, vejamos, ah sim, Ministério do Entusiasmo: Nena Medeiros. Pelo pouco que eu conheço dela, tenho certeza que vai dar certo. Ela coloca as coisas para funcionar com entusiasmo, pesquisem o significado dessa palavra. Você aí, que parece estar dormindo, quer perguntar alguma coisa? Cultura? Já falei, Maria Olímpia. Como? Pode repetir?
- Que história é essa de Ministério da Síntese?
- Ninguém tem paciência para ler mais de 40 palavras. Precisamos dar o recado com noção e agilidade, pois a galera anda sem noção. Falar pouco, mas, reparem, com elegância. Essa pasta terá duas ministras, Anita Cambuim e Dolce Vita. Vão por mim, que elas dão conta. Vocês leram o Discurso de Posse?
- Maravilhoso, excelência, maravilhoso, quando lemos, achamos que era Platão, Homero, Shakespeare...Hã, excelência, e que ministério é esse: Poesia Esotérica? E quem será o ministro?
- Ministros – corrigi – prestem bem atenção, duas correntes de energia circulam no planeta, a inferior e a superior. A inferior pertence àquela turminha que adora tatuar uma caveira na testa e afiar lâminas de madrugada. A superior elabora versos. Ora, como não existe nada mais esotérico que uma poesia, descobri no RL dois poetas que não só capricham nas rimas como tecem loas ao que existe de melhor no ser humano. São eles Jacó Filho e Cláudio Poeta. Assim, se o cidadão quiser pagar uma conta de luz ou colocar os filhos na escola, terá de recitar esses poetas todos os dias da semana, menos dois.
- E que dias são estes?
- Os únicos dias em que não se faz nada: amanhã e ontem. Bom, o papo está muito bom, mas agora preciso descansar, governar deixa a gente exaurido.
- E o senhor, o que vai fazer?
- Eu? Ora, que desplante. Farei o de sempre: rezar. Rezo 3 vezes por dia, manhã, tarde e noite. E, se liguem, amanhã é dia de Aparecida, preciso estar sintonizado. Vocês sabem como é, quem pode manda, quem tem juízo obedece. Inté.
(Imagem: Albert Anker, 1831-1910)
Ministério RL
(Transcrição da entrevista coletiva concedida na Esplanada dos Ministérios, minutos atrás).
- Quer dizer que o sr. contratou todo o seu ministério, o ministério do seu governo, pela internet?
- Sim – respondi – são os tempos. Você aí, pode perguntar...
- Quem fica com a pasta das Relações Exteriores?
- A Marília – respondi – Por que? Porque ela fala inglês, e é uma simpatia. Acho que isso diz tudo. Não basta falar tcheco, húngaro ou coreano para se relacionar com o exterior. O exterior fala inglês, e ainda por cima sorri. Chega de gente carrancuda. E depois, pasmem, em governos anteriores soube-se de ministros que nem português falavam direito. Meu governo é sério. Vocês leram o Discurso de Posse?
- Sim excelência, uma maravilha, esse texto deveria entrar para a lista dos 1001 textos para se ler antes de morrer, ou coisa que o valha. E a pasta da Economia?
- Ué? – encolhi os ombros, espantado – para o Léo, óbvio. Eu penso o seguinte, raciocinem comigo. O Léo é viajado e, para se lidar com economia no nosso país é preciso ter a mente aberta. Pessoas que viajam bastante reúnem essa característica. Senão fica aquela cantilena de taxa de juros, inflação, etc., ninguém agüenta mais.
- Mas ele tem 3 nomes!!? – protestaram.
- Pseudônimos. Vão até a página P do dicionário e corram com o dedo indicador até essa palavra. Pseudônimo é coisa de quem escreve. E no meu governo ele será o único ministro dessa pasta, diferente de governos anteriores, que mudavam os ministros a cada 6 meses.
- É verdade que o sr. cogitou em mudar o ministério da Cultura?
- De jeito nenhum – protestei, sanguíneo –Nossa ministra da Cultura chama-se Maria Olímpia Alves de Mello, Merô para os íntimos, embora eu a chame de Pia. Foi a primeira a assumir o cargo e vai muito bem. Vocês leram o Discurso de Posse?
- Maravilhoso, Excelência, uma obra prima, deveria ser traduzido para 29 idiomas. E que negócio é esse de Ministério da Medicina ao invés de Saúde?
- Como? – volvi, um pouco mais calmo – o povo está sem saúde, percebe? Eles precisam, urgentemente, de medicina, medicina aplicada, para que um dia cheguem na saúde.
- O sr. já tem um nome?
- Não, mas a internet vai resolver. Agora, anotem aí, Educação terá 3 nomes, 3 ministros de uma só vez, se eles não resolverem, ninguém resolve. Estão anotando? Ângela, Raí e Edna. Depois eu passo os links e os nomes completos. Vamos lá, anotem, senão não acabamos isso hoje. Como? Ah, ministério da História. Isso é outra pasta. Convoquei o Jorge Luis da Silva Alves, o que o cara sabe de história não é brincadeira. Nosso país anda muito ignorante. História vai entrar na marra. Para tirar carta de motorista o gajo vai ter de saber quem foi o Degradado de D. Manoel, qual o nome da moça que D. Pedro cortejou em Paraitinga, por que batizaram uma fragata da marinha com o nome de José Marcelino de Souza, quem foi o companheiro de viagem do governador da província de São Paulo em 1868, essas coisas. Senão não tira carta. Nem carta, nem bilhete único. Burro anda a pé. O nível das conversas está insuportavel – violência, sexo, futebol, balada. História dá perspectiva ao individuo, senão ele vira um papagaio desnorteado. Hã, que mais, vejamos, ah sim, Ministério do Entusiasmo: Nena Medeiros. Pelo pouco que eu conheço dela, tenho certeza que vai dar certo. Ela coloca as coisas para funcionar com entusiasmo, pesquisem o significado dessa palavra. Você aí, que parece estar dormindo, quer perguntar alguma coisa? Cultura? Já falei, Maria Olímpia. Como? Pode repetir?
- Que história é essa de Ministério da Síntese?
- Ninguém tem paciência para ler mais de 40 palavras. Precisamos dar o recado com noção e agilidade, pois a galera anda sem noção. Falar pouco, mas, reparem, com elegância. Essa pasta terá duas ministras, Anita Cambuim e Dolce Vita. Vão por mim, que elas dão conta. Vocês leram o Discurso de Posse?
- Maravilhoso, excelência, maravilhoso, quando lemos, achamos que era Platão, Homero, Shakespeare...Hã, excelência, e que ministério é esse: Poesia Esotérica? E quem será o ministro?
- Ministros – corrigi – prestem bem atenção, duas correntes de energia circulam no planeta, a inferior e a superior. A inferior pertence àquela turminha que adora tatuar uma caveira na testa e afiar lâminas de madrugada. A superior elabora versos. Ora, como não existe nada mais esotérico que uma poesia, descobri no RL dois poetas que não só capricham nas rimas como tecem loas ao que existe de melhor no ser humano. São eles Jacó Filho e Cláudio Poeta. Assim, se o cidadão quiser pagar uma conta de luz ou colocar os filhos na escola, terá de recitar esses poetas todos os dias da semana, menos dois.
- E que dias são estes?
- Os únicos dias em que não se faz nada: amanhã e ontem. Bom, o papo está muito bom, mas agora preciso descansar, governar deixa a gente exaurido.
- E o senhor, o que vai fazer?
- Eu? Ora, que desplante. Farei o de sempre: rezar. Rezo 3 vezes por dia, manhã, tarde e noite. E, se liguem, amanhã é dia de Aparecida, preciso estar sintonizado. Vocês sabem como é, quem pode manda, quem tem juízo obedece. Inté.
(Imagem: Albert Anker, 1831-1910)