A Garota da Cadeira ao Lado
Os anos de adolescência são, para muitos, motivo de orgulho. Para outros são anos para esquecer. Muitos filmes e livros tratam dos problemas da vida adolescente. Mas falam sempre de forma estereotipada, sempre as mesmas personagens vazias de uma sociedade imóvel. Mas na vida real há mais do que adolescentes populares que namoram os capitães dos times de futebol, há mais que os nerds que se vestem mal e estudam muito, há mais que garotos burros ou garotos que sacaneiam os outros. Os tempos de escola para a maioria de adolescentes é o tempo das descobertas, o tempo no qual seu caráter se está consolidando, e seu futuro se abre na frente deles.
Numa escola qualquer de um lugar qualquer, muitos passam por diversas situações: tem o garoto que sempre brinca com os outros, faz piada e é amigão de todos, e aquele que é tão tímido que não se atreve a falar com ninguém e por isso é tido como metido pelo resto do grupo. Aquele que senta na cadeira dos fundos, faz seus trabalhos sem pretender sobressair e vai embora tomar seu lanche em paz. Esse garoto um dia encontrou na cadeira ao seu lado uma garota, uma daquelas que não é nem muito bonita nem muito inteligente, que aliás é feinha, de nariz sobressaliente, barriguda, e, sobretudo, consciente dos seus defeitos. Ela só quer passar despercebida, fazer seus trabalhos e seguir sua vida.
Esse garoto, porém, quis conhecer a garota da cadeira ao lado. O professor tinha dito que ela se chamava Valéria, e vinha de uma cidade do outro lado do país. Ela saía da sala de aula sozinha, comprava seu lanche e ia sentar embaixo de uma árvore perto de uma das portas da escola. Às vezes abria um livro e lia enquanto comia, até o momento de tocar o sino de volta às aulas. O garoto observava a menina dia após dia, intervalo após intervalo, e muitas vezes não prestava atenção na aula procurando olhar com o canto do olho o que a menina estaria fazendo. Ela aos poucos foi se integrando à turma, fazendo trabalhos em grupo, passando a compartilhar seus tempos de intervalo com algumas garotas da turma. Ele tinha começado a falar com ela, e até faziam parte de um grupo da aula de Geografia. Porém, sua interação era apenas superficial, de trabalho escolar. Ele tinha percebido que ela também não falava muito com os outros, e que, mesmo que gostasse de assuntos sociais, não participava nos debates que seu professor iniciava na sala de aula.
Um dia, depois de bastante tempo, a garota chegou e sentou, como sempre, na cadeira ao lado. Ela não tinha virado modelo, não tinha sofrido uma daquelas super transformações de beleza que acontecem na maioria de filmes e livros de adolescentes, e também não passava por crises sentimentais de amor mal correspondido. Porém, estava participando mais ativamente nas aulas, e suas amizades estavam aumentando. O menino soube que ele queria conhece-la mais, e um dia lhe perguntou se podia acompanha-la de volta para casa, já que tinha percebido que moravam no mesmo bairro. Valéria aceitou, e foram andando devagar, falando da escola, dos trabalhos, da turma e dos professores chatos. Depois começaram a conversar de outros assuntos, das famílias, do que queriam fazer no futuro, até chegarem na porta da casa dela. O garoto então lhe disse: -Sabia que você é muito linda? - Ao que ela respondeu: -Ahh tá bom, sou mesmo, claro, só se meu espelho for um mentiroso. -Mas você é - ele respondeu. -Você é linda, e ainda por cima inteligente, atraente. Eu quis conhecer você desde o primeiro dia, desde que sentou na cadeira ao meu lado.
Ela o olhou com desconfiança, com aquela convicção de feiura que a baixa autoestima outorga às mulheres pairando no fundo do seu olhar cético. -Se você diz...
A garota deu a volta e entrou na casa. Porém, no seu coração, o fato de ter sido elogiada por alguém que não fosse parente foi como uma festa. Ela continuou sendo a mesma, continuou estudando, lendo no intervalo, às vezes saindo com as amigas e falando coisas de meninas. Nunca teve uma neurose nem brigou com a menina que fazia parte do time de torcida, que aliás era uma das suas amigas e uma boa aluna, e também não fez parte do grupo mais aplicado da turma.
Ela continuou sua amizade com o garoto, amizade que com o tempo se aprofundou bastante, perdurando até muito depois dos tempos de escola. Ela se mudou de cidade, ele fez uma viagem ao exterior, conheceram pessoas e amadureceram. A adolescência ficou atrás, junto com a escola, as meninas antipáticas, os professores ruins, os micos que às vezes pagaram, e a árvore que Valéria usava como refúgio para ler durante o intervalo. Ela até mudou de visual, tentou emagrecer, mas, como brincava sempre que falava com ele, as pizzas a perseguiam (só que agora não se importava muito com o que os outros pensassem dela), e ele ganhou autoconfiança para falar com as pessoas, afinal precisava falar muito com os outros para exercer sua profissão.
Ela seguiu seu caminho e ele o seu, mas sempre que se encontravam voltavam a ser o garoto tímido e a garota da cadeira ao lado, cada um com suas inseguranças, suas alegrias, seus triunfos e seus planes para o futuro, futuro esse que agora estava se realizando. E apesar de todas as mudanças, de toda a distância e a falta de tempo, sua amizade era importante para eles, parte central das suas vidas. E sim, depois de muito tempo, o garoto tímido tomou novamente coragem, e pediu a mão da garota da cadeira ao lado. E ela disse sim.