UMA CRÔNICA SOBRE OS ANOS 70

Quem viveu os anos 70 e tinha mais de 20 anos, sabia o que estava ocorrendo por trás dos bastidores, mas os que eram crianças indo para a adolescência, viviam na mais completa cegueira. É o que podemos chamar de “geração lacuna”. E é destas duas vertentes sociais que falaremos.

Aqueles com mais de 20 anos, sabiam que estávamos vivendo um período de grande repressão, uma ditadura, que muitos morreram e ainda estavam morrendo e que “comunistas comiam criancinhas”. Haviam os que estavam fora do país, mas retornariam logo no início desses loucos anos, como foi o caso do meu irmão, que fugira do Uruguai, aonde estava há 2 anos e meio cursando medicina, após ter sido caçado pelo DOPS; haviam os que somente retornariam com a anistia e os que viviam na mais completa desilusão e se transformaram em porra-louca, fumando muita maconha, meditando, lendo sobre as religiões orientais. Por isso a moda, como reflexo disso tudo, possuir nuances orientais, como batas, vestidões floridos, etc.

Nesse mesmo período surge a contracultura, que nada mais era do que um movimento de rebeldia contra a ditadura: “Ah, então é assim! Não podemos ter nossos sonhos? Vamos radicalizar, falar em drogas e amor livre, usar drogas, nos vestir de forma contestatória. E não poderão nos prender por isso”.

Enquanto nos bastidores da vida mundana, o pau comia solto em cima dos que ainda contestavam o regime autoritário (e nada era divulgado), os ainda muito jovens cresciam sem uma ideologia, sem opções de livros para obterem informações, exceto os clássicos brasileiros, como A Moreninha, Senhora, etc. Mas ainda havia uma opção: sexo, drogas e rock and roll, sendo que o sexo ainda era um tabu na sociedade brasileira, apesar de rolar por debaixo dos panos.

Os filmes eram um horror, pois serviam como distração e os mais divulgados eram os americanos (que, aliás, foram os maiores incentivadores/financiadores da ditadura, de onde, aliás, vieram os ensinamentos sobre a tortura). E na televisão, novelas chatas e sem maiores conteúdos, enlatados americanos e programas de extrema-direita como o do Flávio Cavalcanti, além de humorísticos chatérrimos. Quem não se lembra do National Kid, A Feiticeira, etc? Agora, uma pergunta? O que isso tudo trazia para os mais jovens? Que ideologia esse monte de porcaria possuía?

Os que lutaram liam Marcuse (Eros e Civilização), Marx, Sartre, etc. Os jovens da década de 70 liam Carlos Castañeda (A Erva do Diabo, Uma Estranha Realidade), Aldous Huxley (As Portas da percepção), tinham Thimoty Leary (o Papa do LSD) como exemplo. Logo, muita maconha, muita droga. Se era para ser alienado, sejamos. Não era isso que o governo queria?

A Campos dos anos 70 comportava, principalmente no Jardim do Liceu, jovens vestidos de roupas coloridas, jeans apertados e nos quadris, blusas Hang-Tem, tamancos Dr Scholl, chinelinhos de couro, vestidos floridos, muita droga e muito papo sobre os livros acima citados. O vocabulário se reduzia a “xará”, “cara”, meu irmão”, “gererê”, “aplicar” (iniciar alguém nas drogas), etc. Haviam descoberto uma saída para aquele vazio existencial, a falta de ideologia e de informação: fugir da realidade. Mas era a geração paz e amor, portanto, sem a violência atual.

O rock era o máximo: Yes, Janis Joplin, Boston, Nazareth, EL&P, Focus, Jimi Hendrix, etc. A música brasileira era a famosa brega, que acabou censurada, mas depois falaremos disso.

Enquanto isso, aqui em casa, eu pouco sabia do destino do meu irmão. Apesar de os meus pais terem idéias comunistas e serem fãs de carteirinha de Leonel Brizola, não se conformavam pelo filho deles ser uma pessoa procurada pelo DOPS e estar exilado. E havia uma estante, onde estavam os clássicos brasileiros e as chatérrimas coleções o tesouro da juventude e O mundo das crianças. Mas o que havia em todas aquelas portas da parte inferior da estante, fechadas a chave que eu não sabia onde guardaram? Um dia eu descobri. Ali estavam Nietzsche, alguns livros editados por uma tal de Casa da Bahia, clandestina e com carimbo da editora (A rebelião da juventude na URSS, A China Comunista em perspectiva, Comunismo e afins). Eu achara o que eles escondiam e comecei a ler escondido também. Foi nesse momento que descobri que as drogas não eram a solução, mas as ideologias comunistas sim. E comecei a ler sobre drogas e comportamento juvenil (Drogas Matam Nossos Filhos, A Psicologia do adolescente, Cannabis Sativa, etc).

A Cortina de Ferro, que isolava o Bloco Comunista do Capitalista, não nos deixava perceber as atrocidades cometidas em nome do Comunismo, que acabou fracassando e tendo seu fim, enquanto ideologia, com a Queda do Muro de Berlim, a Perestroika. Enfim, quando pudemos perceber o que havia por lá.

Mas voltando aos anos 70. Com a extirpação dos comunistas e do movimento ostensivo (o que havia nos porões do governo não era divulgado e estava reduzidíssimo), o “milagre econômico” que fez vibrar a classe média, o que restava ao DOPS? Pelo menos em Campos eles se empenhavam em prender filhinhos de papai que consumiam drogas. E toda a juventude campista que circulava pelos jardins do LHC foi fichada. Isso aqui! Nos grandes centros, peças de Sófocles (a quem buscavam prender), música que não fosse moralmente correta (como Pare de tomar a pílula), eram censuradas. Por falta de uma censura política, teve início a censura moral. Todos sabemos o quanto os militares pregavam a moral acima de tudo.

Em 1978 estréia Os Embalos de Sábado à Noite e a moda discoteca surge com tudo: Boite Dancing Days, Papagaio, Règine e outras, surgem no Rio de Janeiro e se torna uma febre nacional. As rádios tocam os Bee Gees, Donna Summer, Roberta Flack. O Soul music acompanha a moda disco, já que fazia um som dançante. A moda? Meias de lurex com sandálias, roupas colantes, calças colantes com blusas largas, calças largas com blusas colantes.

Em resumo: seja o rock ou a música de discoteca, o que marcou a década de 70 foi mesmo a alienação juvenil associada à desilusão dos que, um pouco mais velhos, lutaram por uma ideologia de um mundo melhor, com maior igualdade de direitos e menos desigualdade econômica.

Hoje, mais de 30 anos depois, percebemos o quanto Belchior tinha visão, porque Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais!

Mas foi uma década onde ainda pairava uma ilusão no ar, a ilusão da Paz, do Amor, da Solidariedade, da Fraternidade, da Não-violência (por parte dos jovens).

Emar Vigneron, uma sobrevivente dos loucos anos 70

Muito prazer, Diazepan 10

Emar
Enviado por Emar em 09/10/2011
Reeditado em 26/08/2015
Código do texto: T3267395
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