Um filme

Estava dormindo e um barulho qualquer me despertou. Levantei e deixei somente uma nesga de luz que vinha de não sei onde adentrar. O que vi? Nossa, era o filme de minha própria vida passando, sem nenhum outro espectador, somente eu e meu pijama. Ali de pé e sem querer abrir o outro tanto da porta, revi saudosamente o que queria e o que não! Bailaram sem que eu pudesse interferir mil cenas, mil carrascos condenadores a esperar a hora dos ajustes, mil risos forjados e sem graças, mil desculpas. Havia também algumas cenas boas, bons serviços ao próximo, boas paciências em ouvir, esmolas poucas, sempre dando o supérfluo, nada do que me era imaginariamente básico. Que susto senti de mim mesmo nas impaciências, onde poderia facilmente ser paciente, que ego, onde poderia sem perdas ter calado docilmente.Que fácil, foi ter mentido onde a verdade era imprescindível e os pecados fáceis, facilmente vencidos se tivesse olhado uma vez sequer para o céu. Queria romper a seqüência das cenas, mas os pés da mente não me obedeciam. Chorei onde era preciso ser forte, e ri onde a dor pedia silêncio. Ai meus vícios, por que os abracei? Eles estavam ali escancarados ainda a me cobrarem um homem são e eu não era! Estavam ali lembrando cena após cena, bem lentos. Depois vieram as paixões, os frouxos arroubos que eu os chamava amor. Elas, as santas, não passavam de parquinhos de diversões onde eu ria de suas dores e me achava o perfume dos perfumes. Agora revendo, me veio às narinas o próprio cheiro de mim. Nossa como elas suportaram...

Bem, não sei, mas parece que o encarregado da projeção resolveu terminar a seção. Não me disse, mas parece que posso agora fechar a porta e me recolher novamente à cama. O roteiro do restante do filme ainda estou fazendo. Oxalá seja melhor e mais útil o último seqüenciamento. Oh sono, me apague as velas do pensamento...

Carlos A Funghi
Enviado por Carlos A Funghi em 07/10/2011
Código do texto: T3263922
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