TROVOADA
De repente, no fim de tarde azul, uma trovoada. E meu avô, lá da rede:
-É São Pedro arrastando os móveis.
A gente ri e não contesta.
Para mim, trovoada é esperança de chuva. Quando foi a última? Há meses. E a coisa tá preta, como diz o Chico Buarque. Hoje de manhã ouvi um fazendeiro reclamar no bar do seu Alencar que já não há pasto para os seus bois e que não vence mais comprar feno...
No intervalo da novela minha mãe vai à cozinha tomar um copo d’água e depois de observar o céu pela janela, noticia:
-Vai chover, tá relampejando ali pro sul.
Deus ouça minha mãe e mande muita chuva para nós. Como é mesmo aquele poeminha do Oswald? “Chove chuva choverando/ que a cidade de meu bem/ está-se toda se lavando”. Antigamente chovia mais aqui e tudo foi mudando com o desmatamento, que nem nos outros lugares. Todos os dias a gente vê na televisão que o clima na terra está mudando. Mas o povo é ignorante, desacredita da ciência. O daqui, além do mais, mitifica: não chove aqui porque tem padre enterrado...
A ventania levanta o pó e afugenta o meu avô da rede, um cisco cai em seu olho e ele xinga. Minha avó o faz se sentar no sofá e pinga uma gota de colírio no olho atingido. Uma janela bate em algum cômodo e vou fechá-la. Tomara que chova, que chova por uma semana, que nem na música do Djavan. O pai surge da treva, com o cabelo e a roupa vermelhos de terra:
- A chuva já vem ali perto e é das brabas!
Nova trovoada, dessa vez bem acima de nossas cabeças. O chão treme. Meu avô não diz nada, está cochilando sentado no sofá. Relâmpagos clareiam o céu, por todo lado. De súbito a luz se apaga e tudo fica às escuras. Meu avô desperta, pede para acenderem uma vela. Alguém tateia na escuridão, esbarra em cadeiras. Minha mãe risca o fósforo e acende a vela. A chama amarelada fica tremulando, tremulando, que nem a minha flâmula do Santos. E é nesse momento que a chuva despenca, com toda a força, sobre a cidade, num segundo dilúvio...
O pai ri, como quem acertou na loteria:
- Eu não disse que era das bravas?