A goteira
A goteira
É história que não posso assegurar a veracidade. É de época longígua. A fonte é... sei lá, mas conhece as pessoas e frequentava as cercanias no acontecido.
Conta ele que o dito cujo, família tacanha, mas boa índole, esperançoso de enricar, alardeava as vistas por datas de terras cobertas de vacas chita, mangueiro de porcada abundante, paiol derramando espigas, tuias abarrotadas de arroz, feijão, rapaduras empalhadas pelas traves, o quintal cheio de crianças, correndo atrás da galinhada, para mais e mais fartura.
Diz ele, sem mais nem menos, do coronel dono das terras sem cerca, mais de tantos agregados esparramados, gadão de encher a vista, desgostoso da vida até não poder. A mulher morrera não deixando sequer filho homem, só a menina, xodó da região, meiga, educada, caridosa, primeira na procissão.
Fala ele do coronel, já maduro, sentado à varanda, olhar perdido, matutando que fazer, aquela menina, grandona, não dá mostras de arranjar a vida, cismado, só ao compadre segreda as preocupações, que seria, que se fala na região. O compadre resmunga, debate de braços, levanta, senta, dicoca, nada, nem um, nem outro encontra solução, o arranjamento da menina, o ajeitamento da afilhada.
No dizer dele, foi coisa assim, o rapaz, naquela tarde, na sacristia, traz encomenda para o monsenhor, dá de chofre com ela.
Ao compadre, matreiro, aquele esbarrão não passa desapercebido e vê ali o encaminhamento tão esperado. Corre à furna e, já de longe, o pai desassossegado prenuncia o fim da agonia.
Foi poucos dias o realizar das bodas, mês propício, julho, antes do agourento agosto.
Altas horas, no silêncio barulhento da fazenda, lá dos fundos do casarão, grita o noivo, rouquenho, pelo sogro! Ele, taciturno, ergue as sobranceiras, escuta. De lá vem a sentença, tantas vezes recusada... a casa tá com goteira!.. uuuuh! Ecoa, na escuridão, o arfar de pai esmigalhado. O tempo para, tanto, tanto, não se pode mais esperar... recorre ele, lá do fundo, ao coronel de patentes, e de pronto rijo replica... “nada, 40 alqueires de furna e100 vacas prenhes estancam a goteira...”
O marido, boa estirpe, sonhador com a fortuna, quase em sussurro, de lá agradece...
“e bem tampada”.
Julho.2011