As moscas

Estavam almoçando quando Loló, sem cerimônia, anunciou:

– Oh mosca chata!

Os pais e a irmã mais velha cessaram o diálogo e fitaram o olhar na solitária recém-chegada. E a pequena insistia:

– Sai, mosca! – parecia tentar um diálogo amistoso com a bichana.

Surge outra. Surgem outras, poucas, mas eram outras moscas.

O almoço em família, hábito dominical, tenta prosseguir alheio aos fatos novos quando, de repente:

– Mate, mãe!

– Calma, filha! – a mãe falando.

– Calma, filha! – o pai falando.

– Eita que chatice! – a irmã falando.

Os três pacificadores, entretanto e sem que se apercebessem, aconselharam a pequena, mas, inconscientes, surpreenderam-se armados com os pratos nas mãos. Um descobre a intenção do outro num entreolhar-se mútuo. A primogênita do casal cobriu o prato das batatas-fritas; a mãe, carnívora compulsiva, protegeu os quatrocentos gramas de picanha Argentina malpassada; o pai, assustado (faca na mão esquerda e prato na direita), por pouco não quebra a porcelana do restaurante ao tentar neutralizar o voo de uma das moscas que sobrevoava o baião-de-dois com queijo ralado, fresquinho.

Eu estava na mesa ao lado conversando entre amigos sobre o jogo do Fortaleza na terceira divisão. Teria mesmo havido mutreta? O plantel deveria ter caído para o campeonato suburbano! Só assim realizaria meu sonho de infância assistindo a um jogo entre Fortaleza e Floresta – time do meu coração, o melhor da Vila Manoel Sátiro... Infelizmente, existem artimanhas no mundo futebolístico que “as próprias razões desconhecem”. Eu conversava e me entretia com a evolução dos fatos ocorrendo no âmbito familiar.

Agora, naquele exato momento, a refeição havia cessado e estavam os quatro com as mãos em cima dos pratos, protegendo o “di cumer”. Por falta de pratos-cobertores, a salada verde ficou desprotegida e...

– Cobre a salada, pai! – Loló, novamente, testando os reflexos moscais.

– Como, filha?! – estou com as mãos ocupadas!

Mesmo assim o pai, célere, serelepe e fagueiro, protegeu a jarra de laranja em detrimento da salada. O suco deveria estar dulcíssimo, mas agora fora encoberto pelo penitente pai, com a mosca dentro, enjaulada, ou melhor, enjarrada!

E ficaram assim alertas por longos quinze minutos – tive a ideia de conferir no relógio! O baião do guisado esfriou, o queijo grudou no feijão formando uma melecada só. A carne malpassada esfriou e o sangue espalhando-se pelas beiradas do prato aparecia aqui e acolá – a olhos nus, sendo visto pela mosca-rainha do bando de intrusas. O gelo derreteu, mas para que gelo? Loló bebeu foi do degelo, quebrando nos dentes os pedacinhos remanescentes, aliviando a fome.

Pediram a conta. O garçom estranhou a quantidade de alimento não consumido, mas permaneceu silente. O ar de tristeza rondava o ambiente familiar. Fome? Decepção? Frustração? O garçom espanta uma das moscas que voa para longe.

Ao se retirar, o garçom leva os talheres e o prato onde a pequena Loló fazia a refeição. Ela olha para os pais e sai atrás do garçom, apressadamente. A pequena, antes de perder a última oportunidade, antecipou-se, puxou o garçom pelo braço e esbravejou:

– Devolva meu prato, minha faca, minha colher, meu garfo... Ainda não acabei!

Resolvido o problema, a família se dirigiu ao carro. Entram. Fecham-se os vidros depois de ventilarem o ambiente interno do veículo e...

– Abre o vidro, pai! Tem uma mosca dentro do carro!

– Ah, não! Não abro mesmo! – responde o pai.

Vidros cerrados, a esposa acaba de gritar depois de tomar uma sapatada na testa.

– Eu sabia que matava essa...

Crato-CE, 7 de outubro de 2011.

01h39min

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 07/10/2011
Reeditado em 13/10/2011
Código do texto: T3262901
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