DDD - Diário de Derrotas [13]
06h15m
O celular desperta de uma forma particularmente escandalosa. Ato contínuo é o dedo no soneca.
06h25m
De novo. E desta vez me lembrei que poderia tê-lo colocado para despertar às sete, já que tenho uma missão do trabalho a ser realizada num lugar - relativamente - mais perto do que ele.
07h25m
Passei toda a última hora no soneca. Não consegui dormir. Também não consegui mover mais do que o polegar pra fazer o maldito celular despertar dali dez minutos.
08h05m
Estou saindo de casa, atrasado - apesar de hoje não ter um horário específico. O que aconteceu é que tive uma crise de mulher que não sabe com qual roupa sair de casa; troquei de calça e de camisa duas vezes. E, isso de usar camisa social definitivamente não é comigo. Aliás, nada que possa ser um trampolim pro sucesso é comigo. Nada...
08h08m
Aliás, também, uma prova disso é eu não poder ver um rabo-de-saia sem quebrar meu pescocinho. Explico como cheguei a tal comparação: outro dia cheguei à conclusão de que minha vida só é assim porque eu desencantei tarde demais com a mulherada, e toda a energia que deveria ter sido despendida em estudos fora voltada a namoricos que foram verdadeiros fiascos. Bom, talvez ainda dê tempo de arrumar essa porra que chamo de vida.
08h23m
Estou na lotação lotada. Faz calor. O cobrador fica cobrando um passinho pro fundo. Não que ele esteja me incomodando com essa chatice; não, esse monte de mulher é que se faz de sonsa e não colabora com o andamento do sistema e etc. e que merece(m) um soco no rim, cada uma.
08h25m
Não sei, queria pensar em algo que me fizesse ser desipnotizado do bigode dessa mulher que está em pé bem na minha frente; essa penungenzinha que não era pra estar ali me dá gastura.
08h58m
Minha sorte é mesmo muito madrasta... Me recusei a entrar em três trens velhos, esperando um com ar-condicionado e, nele, agora, sou cozido com o gás carbônico desse monte de gente barulhenta. Nada parece ser pior do que essa porra de momento no Inferno.
09h10m
Retiro o que disse sobre a coisa não poder piorar: há cinco minutos que o trem está parado no túnel Belém-Bresser. O ar parece não circular. A sensação de grude no corpo dá as caras.
09h17m
Umas duzentas pessoas esbaforidas acabaram de entrar aqui no Brás. Quero morrer.
09h30m
Cheguei no prédio da Telefônica que fica na Sete de Abril. Há uma fila de 20 pessoas. Sou o vigésimo primeiro.
09h39m
- Preciso tirar a segunda via de uma conta que não recebemos.
- Fala o número do telefone.
Falei.
- Só pegar ali com o rapaz - e indicou um fulano plantado ao lado de uma impressora.
Fui até lá.
- Qual é o nome do titular? - Ele quis saber.
Respondi.
Ele olhou umas cinco segundas vias. Nada. A impressora começou a trabalhar. Cuspiu uma folha na mão dele que, novamente, quis saber o nome do titular da linha. Respondi. Nada.
- Me empresta aí a conta que você tem - pediu ele.
Emprestei, e ele foi até a moça que me atendeu. Um minuto depois a impressora cuspiu outra folha. Ele veio, pegou-a, olhou, sorriu, e me estendeu a dita cuja.
- Tá no nome de um homem - falei - E o titular é uma MULHER.
- Mas é esse o número da linha, não é?
Olhei. Era.
09h50m
Me mandaram pra outro atendimento. Agora espero sentado, vendo todo mundo que chega pra pedir segunda via de conta saindo feliz e sorridente enquanto eu fico aqui, assistindo a Ana Maria Braga e sentindo calor demais. E odiando o calor maldito.
10h07m
Estou na Galeria do Rock; vim tomar café da manhã na Rainha do Paissandu. O Batista - nobre suqueiro da egrégia espelunca - não está. O que não é um bom sinal. Pedi um suco de melancia com limão pro Osvaldo e ele fez uma cara de "ah, pega um de caju da refresqueira, vai" que me deu vontade de acrescentar que eu queria o suco batido a mão com melância recém colhida e com limão de no máximo cinquenta milímetros de diâmetro, mas acabei deixando pra lá e me entregando a recorrente lembrança de uma puta de uma gostosa que eu trouxe até aqui pra provar das refrescantes artes do Batista e ela me tolhiu com um "esse lugar tem cheiro de pano de chão sujo e molhado; vamos comer no Mc". Mandei-a à merda e me refestelei, enquanto ela fazia cara de nojo a cada golada/mordida que eu dava... Bons tempos...
10h15m
É, tem tênis sendo vendido pela metade do preço... E eu com a minha conta negativada em duas vezes e meia o meu salário.
10h24m
- Irmão, tem trinta centavos pra mim interar numa bolacha?
Despejei as moedas na mão do mané que provavelmente iria interar uma cachaça pra mais tarde. Eu costumo odiar pedintes - seja de dinheiro ou de atenção -, mas esse Zé deu sorte: eu havia gasto uns trocados com balas no Zé Bolacha e havia sobrado exatamente trinta centavos do troco. Desci as escadas do Metrô.
11h21m
Calor. Estou no ponto de ônibus da Cincinato Braga; eu e uma coisinha toda recatada por trás de uns óculos de aro grosso; cabelos loiros com uma trança caída no ombro direito e com tênis cafona de corrida. Ninguém mais passa na rua - só carros apressados. Há certa tensão - ou só a impressão dela. Faz calor e está com uma blusa verde de lã. Ela coça a barriga de forma displicente e a lã sobe - é uma gostosa! O ônibus surge na parte "ladeira" da rua e ela se apruma na calçada, exibindo pra mim uma baita de uma bunda. As janelas do prédio da frente cintilam. O ônibus pára. Faz calor. Ela sobe o degrau do ônibus. A blusa sobe - uma tatuagem e furinhos de quadril. Faz calor. Rilho os dentes e coço a nuca.
12h00m
Enfim cheguei à única agência aberta em São Paulo de certo banco de outro Estado. Depois de toda a epopéia digna de um Saara pra chegar até aqui; depois de esperar a desgraça de uma discussão de uma velha com o segurança por causa da porta giratória; depois de tudo, enfim, o caixa me informa que preciso de um código que não tenho pra fazer o que preciso. Logo, tenho de sair na rua pra ligar pra quem pode saber de algo. Rua = Calor.
12h05m
- Então - disse pra moça do escritório que estava outro lado do da linha, observando o farol abrindo e um trator vermelho se colocando em marcha - Preciso de um código pra identificar o depósito.
- (Trator passando bem devagar)
- Não entendi.
- É o CNPJ que tem no e-mail.
Voltei pra dentro do banco. Desta vez a porta giratória resolveu encrencar comigo, que há apenas cinco minutos havia passado por ela sem problemas.
12h15m
- Não é o CNPJ - diz o caixa, já meio de saco cheio da minha cara.
Saio de novo.
Ligo de novo.
12h17m
Uma vez aqui fora, começou uma ventania abafadamente nojenta, que faz todo um eco no celular. A moça atende.
- É código que tá no documento que está grampeado na folha do e-mail.
Volto pra dentro do banco. Frio de novo.
12h23m
- Não, o código tem seis dígitos - diz o caixa - SEIS! - Completa, com a voz da minha cabeça acrescentando um CARALHO à peroração dele.
Saí e liguei novamente.
12h24m
- Ah, deixa pra amanhã - disse a voz do outro lado da linha.
"Tudo bem", falei pra mim mesmo, "tá um dia lindo pra ficar passeando".
Fiquei procurando o ponto do ônibus que me deixaria na Augusta - no Vitrine, pra ser mais exato. Quando achei e dei sinal, o celular vibrou com o número do escritório e eu atendi.
- Olha, eu liguei lá na prefeitura da cidade do ITBI aí e o pessoal responsável pelo tal código volta daqui quinze minutos...
Nessa hora parou diante de mim uma dessas mulheres que não fazem nada da vida além de comer duas torradas pela manhã com chá de semente de linhaça, correr cinco quilômetros, comer duas fatias de peito de frango com cem gramas de alface e que depois saem pedalando e blablablá; porra, eu simples e involuntariamente afastei o telefone da orelha quando ela parou na minha frente com uma bicicleta e começou a fazer uns malabarismos com o cabelo e o prendeu num coque, sei lá, o vento batia e o cheiro de suor dela espancava minhas vias aéreas e "sim, eu espero sim" acabei volvendo ao telefone com toda a sinceridade que meus nervos são capazes de permitir.
Atravessei a avenida e me sentei num ponto de ônibus banhado pela sombra das árvores do Museu da Casa Brasileira e fiquei esperando os quinze minutos se esvaírem.
12h30m
Estou novamente num ponto de ônibus. Novamente acompanhado de uma belezinha loira intocável de nariz empinado. Faz silêncio por essas bandas. Tem um velho de muletas parado em cima da faixa amarela da avenida. Pedindo pra ser atropelado enquanto pede por uns trocados. Vou surtar.
12h35m
- Com licença - falei pro segurança do MCB.
- Boa tarde! Pois não? - respondeu ele.
- Desculpa a ignorância - falei - Mas o que tem aí?
E senti o sangue preencher meu rosto. Ele não soube me dar uma informação precisa, no que eu acabei interrompendo com um "E paga pra entrar?".
- Quatro reais, patrão.
Tirei moedas e nota (de dois reais) do bolso.
- Beleza - falei pra ele, já dando as costas.
Eu tinha três e setenta no bolso. E nada mais.
12h40m
Estou sentado no ponto de ônibus que fica na frente do MCB - Museu da Casa Brasileira, que custa R$4,00 pra entrar e que eu não pude pagar. Aqui não tem sombra e os ônibus que aqui param irradiam um calor fora do normal. Um deles parou no mesmo instante que meu celular tocou. Atendi. Na mesma hora que falei "alô" um par de pernas de pelo menos um metro, - branco e roliço, pertencente à uma ruiva NATURAL, que vestia uma saia jeans curtíssima - ceifou por alguns segundos todos os pensamentos que eu poderia vir a ter.
- Desculpa, não entendi.
- A responsável pelo código passou mal e foi embora; deixa isso pra amanhã.
- Ah, tá...
12h55m
Agora estou dentro de um ônibus abafado que está subindo a Avenida Europa. Não sei pra onde olhar: concessionárias da Audi, Aston Martin, Mercedes Benz, Harley Davidson e Porsche desfilam nas laterais. Há mansões e há jardins. Há carrões e cachorrões. Há silêncio e boa vida. A derrota começa a latejar um pouco, mas eu logo dou uma raspagem e a finalizo num katagatame. Decidi há um tempo que porra nenhuma que vem de fora poderá me colocar pra baixo e isso tem funcionado. E funcionou.
14h30h
Tive um almoço agradável no Vitrine.
05/10/2011
(Nota: esta é uma edição especial do DDD, que terá duas partes, de tão ruim que o dia foi).