MEU ENCONTRO COM MOJICA
Era início da década de sessenta.
Meus pais acabavam de retornar para São Paulo depois de quase 10 anos em Minas Gerais.
Era um garoto da roça, conhecia sim o mundo do campo, os rios, as florestas, os pássaros, enfim a natureza! A vida simples e maravilhosa do campo.
Filho de família religiosa, católica, logo minha mãe procurou colocar-me no colégio das freiras, o Externato Nossa Senhora do Sagrado Coração e logo incentivou-me a ingressar no grupo de coroinhas do Santuário do Sagrado Coração, em Vila Formosa, São Paulo.
Meus dias passaram a ser no Externato e na Igreja sobrando pouco tempo para ficar em casa!
Participava ativamente de todas as celebrações de domingo a domingo.
Logo conquistei a confiança e a proteção da Madre Superiora e do Vigário além da atenção especial do Irmão Afonso que era o responsável pelos coroinhas.
Atuava nas apresentações religiosa tendo representado o menino Jesus aos doze anos e outras crianças bíblicas.
Certo dia ao chegar, como de costume, antes da missa das sete, o irmão Afonso destacou-me a ajudar a missa de um visitante que estava hospedado na Casa Paroquial. Lá fui eu. Como a missa era em Latim mal percebi a origem do Padre. Apenas sabia que era de outra Ordem, pois usava hábito de monge e não dos Missionários do Sagrado Coração.
Foi depois de ter me despedido daquele Monge, dias depois que o Irmão Afonso contou-me quem era o ilustre visitante.
Contou-me que ele havia sido um cantor muito famoso na Espanha e que depois do auge de sua carreira ele resolveu abandonar a carreira artística e tornar-se um monge.
E que uma de suas músicas mais conhecidas era o "Jura-me" ... mal pude conter meu espanto!
Jura-me era uma canção que minha mãe falava sempre e quando chegamos em São Paulo ela pediu para o meu pai procurar um disco que tivesse essa música.
Corri para casa e quase sem fôlego... contei para a minha mãe o ocorrido dias atrás.
Mas o Monge já havia partido e até hoje só ficou a lembrança de que "eu conheci Frei Mojica" o autor e cantor de Jura-me !
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"JOSÉ MOJICA pode ser apontado como um dos grandes artistas latinos do século. Através dos discos, filmes e apresentações pessoais, sua arte de cantor e figura de galã foram levadas a todas as partes do mundo. Depois que se tornou sacerdote-cantor, acrescentaria a essa fama e admiração o respeito pelos seus predicados humanos. Nasceu José Mojica, em 14.9.1896, na cidade de San Miguel, Estado de Jalisco, no México, com um nome extenso: Cresenciano Abel Exaltación de la Santa Cruz de Jesus Mojica Montenegro y Chavarín. Só quando se fez adulto, sua mãe, D. Virgínia Montenegro, contou-lhe que seu pai tinha sido um médico que noivara com ela e a abandonara por já ser casado e com dois filhos. De um casamento posterior, D. Virgínia teria outro filho, que faleceria bem pequeno. Não seria feliz no casamento, pois o padrasto de José, de nome Francisco e dono de oficina em que fabricava sapatos, demonstrou ser um homem extremamente violento, por causa disso condenado a alguns anos de prisão, não mais voltando ao convívio da família depois de libertado. Mulher tenaz e muito religiosa, D. Virgínia incutia em José os ensinamentos e a fé católicos. Um dia, sentindo o desprezo da gente do local, decide deixar San Miguel para tentar melhor sorte na capital mexicana. Vende por pouco dinheiro as propriedades que ainda possuía e toma com José o trem para a Cidade do México. Era 1906. Na capital matricula-o no Colégio Santa Maria e a seguir numa escola pública. Vivem os dois uma existência bem modesta com alguns episódios desagradáveis, como aquele em que, em suas ausências, ladrões despojam de tudo a casinha em que habitavam. Para que possam sobreviver, trabalha como costureira e utiliza-se das reservas trazidas. José continuaria seus estudos na Escola Nacional de Agricultura, fechada durante os acontecimentos da revolução de 1910. Como estudante deixa-se envolver pela política, tendo corrido sério risco de morte no momento em que os revolucionários chegam à capital. Ao mesmo tempo em que cursa agricultura, estuda piano e pintura. Não lhe passa pela cabeça a idéia de cantar. Confessaria mais tarde que "nunca tive e nem tenho paixão pelo canto. Tinha sim, e tenho, paixão e vocação para a pintura. Fui cantor famoso, mas nunca pude encontrar tempo para pintar. O cultivo da arte é absorvente. Em quaisquer de suas manifestações, o homem é limitado e Deus o leva sempre para onde convém mais." De certa feita em que estudava solfejo no Conservatório, os alunos são convidados a participar dos corais de uma nova companhia de ópera que se estava formando no Teatro Ideal. Quando são perguntados se desejam fazer um teste de voz, levanta a mão apenas por levantar. Ao saber que tinha voz de tenor sente uma estranha sensação. Sua mãe fica contra essa ameaça de mudança na direção dos planos traçados para ele, mas José argumenta que era uma oportunidade de ganhar algum dinheiro. A conselho da mãe concorda em tomar lições de canto para ter a certeza de que de fato tinha talento. É o que faz durante certo tempo, até se apresentar na companhia, não mais como pretendente a um lugar no corpo coral, mas como solista de pequenos papéis. Suas qualidade potenciais são reconhecidas pelo célebre maestro mexicano Cuevas, que se oferece para ministrar-lhe aulas. O progresso de Mojica evidencia-se cada vez mais, tanto que passa a primeiro tenor. A escola de Agricultura, que reiniciara as aulas, perdia definitivamente um aluno. Em busca da fama e da fortuna, parte em 1916 para Nova Iorque, integrando um conjunto formado por Carmen Garcia Cornejo, soprano, Angel Esquivel, barítono, e Julio Peimbert, pianista, sendo empresariados por Maria Grever, notável compositora mexicana de futuro renome mundial. O resultado da aventura é desanimador, dada a falta de oportunidades. Mojica termina por lavar pratos durante meses num restaurante. Mesmo assim é ouvido a cantar no trabalho trechos de óperas, com isso vindo a receber aulas de uma senhora chamada Blackman. Quando sua triste e desalentadora situação parecia não ter nenhuma saída, afortunadamente é convidado a se juntar a uma grande companhia de óperas em vias de ser montada em sua pátria. Da noite para o dia vê-se ao lado de nomes célebres da cena lírica mundial. Daí em diante sua ascensão gradativa não teria percalços ou descontinuidade. Terminada a temporada, começa outra com a presença do maior astro do bel-canto mundial, Enrico Caruso, do qual se torna bom companheiro. No final de 1919, volta aos Estados Unidos numa situação bem diferente da primeira vez, pois contratado pela Chicago Opera Company. Além dos rendimentos cada vez maiores no palco, tem a oportunidade de gravar seus primeiros discos na Odeon. Conhece então pessoalmente Thomas Alva Edison, uma das maiores admirações de sua vida, a quem pede uma foto com dedicatória. Edison conta-lhe que todas as noites antes de dormir ouvia sua gravação de Golondrina Mensajera e o imaginara um cantor de meia-idade, não tão jovem. Mojica por sua vez não se refere ao fato de que, em sua primeira estada nos Estados Unidos, tinha sido recusado pela Odeon americana depois de teste de gravação examinado pelo próprio Edison. A partir desse contato, Mojica vai alternando concertos nos Estados Unidos e México. Enquanto sua carreira profissional ia cada vez melhor, dando-lhe condições de proporcionar toda a assistência e conforto à sua amada mãe, com qual sempre morou, sua alma continuava inquieta na busca da verdade. Vinha procurando explicações em novas filosofias e religiões e tinha períodos de agnosticismo. Por fim, volta à fé católica pelo caminho de uma devoção particular a São Francisco de Assis, o santo dos pobres. Tal decisão se dá quando estava com 27 anos, exatamente numa visita à escola franciscana de Quincy, cidade do Illionois. Em 1929 é convidado pela Fox para trabalhar em Hollywood em filmes falados e cantados em espanhol, pois, além de ter voz, encarnava o tipo ideal do galã latino exigido pelos roteiros melodramáticos. Assim é o astro de O Preço de Um Beijo, em duas versões, um extraordinário sucesso em diversos países de língua espanhola, inclusive a Espanha, embora mais uma vez a crítica de seu país tenha se mostrado contrária, como sempre fazia em relação aos artistas mexicanos que atuavam no cinema americano. No seu caso não aceitavam que, cantor consagrado de óperas, descesse para cantar simples canções populares. Outros filmes se seguiriam, como Príncipe, Rei dos Ciganos, A Cruz e a Espada, As fronteira do Amor, A Canção do Milagre e outros, neste último no papel de um sacerdote católico, numa antecipação do que faria mais tarde. Seus discos então se vendiam como nunca. Muito de seus êxitos são até hoje páginas clássicas. Cada uma de suas apresentações na América Latina, Europa e Norte da África consituia-se em consagração. Nada deste mundo lhe faltava, mas no seu espírito continuava um vazio, que só uma completa dedicação a Deus haveria de preencher. Em 1941 estava filmando na Argentina, em Buenos Aires, Melodias da América, quando recebe a notícia do falecimento de sua mãe. Decide então entrar para o convento franciscano de Recoleta, na cidade de Cuzco, no Peru, que já conhecia. Dá um último concerto e viaja para o México a fim de distribuir sua fortuna. Em 1942 recolhe-se à clausura e no ano seguinte recebe as ordens menores. Em 1946 ;é ordenado padre, adotando o nome de Frei José Francisco de Guadalupe. Sentindo que ainda poderia com sua arte e fama obter recursos para obras de caridade e divulgar a religião, consegue de seus superiores autorização para apresentar-se cantando músicas profanas. É o que passa a fazer em novas excursões pelo mundo e em filmes, sempre porém vestindo o hábito de frei franciscano. Já tinha visitado o Brasil em 1937 e cantado no Cassino da Urca. Volta em 1942 e 1950, quando participa da inauguração da primeira estação de televisão brasileira, a TV-Tupi de São Paulo. Retorna em 1955 - reza uma missa em intenção da alma de Carmen Miranda - 1964 e 1967. Por causa de problemas circulatórios que afetara sua perna direita, vem a falecer na idade de 78 anos, em 20.9.1974, na cidade de Lima, no Peru. Abel Cardoso Junior. O texto acima não representa a biografia completa do artista, mas sim, partes importantes de sua vida e carreira. "