VIDA DE CAMELO
Lembro daquele poema de Drummond que diz que a vida, em certo momento, torna-se uma ordem.
É bem assim mesmo. A expressão, como é característica de Drummond, é lisinha e perfeita, como uma esfera de vidro.
Quando eu era pequeno diziam que eu precisaria trabalhar pra ter minhas coisas. Hoje eu trabalho. Tenho minhas coisas.
Ocorre que o ritmo de hoje me impede de desfrutar essas coisas.
É trabalho, trabalho, trabalho, cliente, problemas pra resolver, horário, prazo, filho, mulher, contas, cachorro doente, aniversário, eventos sociais, etc, etc...
Antigamente eu ficava no msn conversando com donzelas desocupadas (eu desocupado também), o papo corria solto, o ócio era grande.
Hoje, nem que eu deseje eu passo perto do msn. Primeiro porque alguém lá pode estar me procurando, e se eu estou escondido significa que não quero ser encontrado; segundo, mesmo que eu entrasse, e marcasse um encontro, não teria tempo de ir. Se fosse, talvez tivesse que sair mais cedo, com pressa, por conta de algum compromisso urgente (é que a partir de certa idade, todo compromisso é urgente).
Enfim, não dá. Eu preciso trabalhar. Trabalhar pra ter as minhas coisas. Hoje só não sei o que fazer com essas coisas, alias, não tenho tempo de usufruir delas.
Hoje sou um homem maduro. Tenho um patrimônio suficientemente grande pra me esconder e desaparecer no meio dele, e mais, pra me matar pra mantê-lo...
...Ainda que eu não desfrute disso...
Qual o nome disso? Vida... vida... E a vida vira uma ordem!
Bem... Mesmo que ninguém saia vivo daqui, vamos com mais calma, portanto. Por favor.
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