Futebol antigo era assim
Andaram mudando muito as regras do futebol. Lá pelos idos de 1996, a coisa era bem diferente. Começa que nunca – absolutamente nunca – havia 11 jogadores de cada lado. Bolas, era difícil juntar tanta gente assim. Naquele tempo, jogava-se com o número de jogadores que aparecessem para jogar. Era um futebol bastante democrático, que aceitava gente de todas as idades. Vez ou outra, havia número ímpar de jogadores, mas isso era facilmente resolvido: o time que contasse com um jogador acima da média tinha a obrigação moral de jogar com um a menos, para que o equilíbrio fosse mantido. E se durante a partida uma das equipes demonstrasse grande superioridade sobre o seu adversário, um dos melhores jogadores deveria trocar de time – disso se percebe que o futebol, naquela época, primava pela igualdade.
É desnecessário dizer que os jogos também não duravam dois tempos de 45 minutos. Normalmente, durava até os primeiros jogadores cansarem ou, o que era mais comum, ouvirem a mãe chamar. Por vezes, continuava-se mesmo com número reduzido de jogadores, até o momento em que o dono da bola, também ele, tivesse que voltar para casa. Naturalmente, não havia um campo específico para a prática do esporte. Ele podia ser tanto um terreno baldio quanto o quintal de uma casa. Às vezes, eram feitas traves caprichadas, que de vez em quando recebiam redes. Na falta delas, improvisava-se com pedras ou chinelos. Postes utilizados como varal também serviam.
Ao contrário do que acontece hoje, naquele tempo havia diversas modalidades de futebol – isso dependia tanto do número como da vontade dos jogadores. Havia inclusive uma modalidade que dispensava o uso de goleiro. Fazia-se uma trave muito pequena, dividiam-se os times, e jogava-se normalmente. Se houvesse três jogadores, podia-se jogar com uma trave apenas, em tamanho normal. Um ficava no gol e os outros dois driblavam. Também era possível jogar o célebre “três-dentro-três-fora”, modalidade que deixava claro a baixa popularidade da posição de goleiro. Outras formas de jogar eram extremamente elaboradas, como a “reba”, jogada em duplas, em que só fazia sentido fazer gol após a bola bater na trave e voltar para nós – dependendo da parte em que ela batesse, o gol valia mais. Se houvesse apenas duas pessoas, era possível jogar o “gol a gol”. Cada jogador ficava em uma metade do campo, defendendo a sua trave e atacando a adversária.
A modalidade mais rara dessa época eu pratiquei com um amigo meu. Não sei se havia nome para ela. Um de nós ficava no gol e o outro chutava. Escolhíamos uma partida que aconteceria de verdade nos próximos dias e fazíamos uma simulação do que iria acontecer. Antes de começar, já definíamos o placar. “O São Paulo vai ganhar de 3 a 1 do Flamengo”. E então aquele que estava com a bola jogava – sozinho – para que o seu jogo ficasse 3 a 1. Ou seja, ele precisaria fazer quatro gols, divididos entre os dois times. O goleiro sabia que deveria levar todos os gols da partida imaginária. Apesar disso, mantinha a sua dignidade e se esforçava para defender os chutes.
Aí estão, em poucas linhas, algumas das regras que foram mudando ao longo dos tempos no futebol. Eu poderia falar ainda do maravilhoso “chutou pra fora sai”, quando havia mais de dois times, situação que exigia toda uma estratégia de enfrentamento. E não posso deixar de mencionar o “quem chuta busca”, essa sim uma regra que persiste ao longo dos anos, e que provavelmente já existia no tempo de Charles Miller, tamanha a sua justiça.