Sabores da noite

Parei em frente à Praça Nova, que sempre tem uma banqueta de vender salgados, balinhas e outros gostos da criançada, aberta a custo e as oferendas de quem as possa degustá-los, sentados ali mesmo, naqueles bancos bem pintados ao adorno do público e da serventia da cidade.

Bem, não me deu tempo estacionar a frente, uns três rapazes deram as mãos aos altos, como se eu não fosse ali encontrá-los. Desci, andei em vossas direções, enquanto os sorrisos faziam das caras, as medidas e os pesos de um motim, ou “suponho”, ser uma coisa bem mais séria, que não ouso contar-te agora, em começo gente.

Por trás do portão de ferro amarronzado e pendente, do jardim da esquina, segura umas mãos mofinas de um homem magro, de bigodes amassados pelos dedos finos, de um porte desleal e acima, nu da cintura pra cima, deu-nos boa noite. Boa noite senhor Isaque! Como tem passado esta força? Ele, com a cabeça baixa e torta, o braço mal esticado, curvado ao meio, me falou baixo:” estou indo como Deus quer, hehehehe”... Notei muito pouco aspecto em nosso velho amigo, que foi se escorando na meia parede, como se estivesse fugindo da vossa presença ou era do “cansaço” do dia. (cá pra nós, eu não acredito que seja esta segunda opção)...

Do lado direito, Diego contava as malícias das viagens, dos sonhos, e ouvíamos o Dr. Gildemberg dizer das compras que fizera pelas zonas dos Correios eletrônicos, mas que, da forma que descrevestes, ainda vão demorar a estarem em seu destino, ou melhor, a acertarem o passa-porte e endereço do destinatário. Tomara que só ele esteja correto, quando o pai sussurrou de banda, e coçou a barba comprida, exprimindo um gesto singular, de pai para filho. (só eles mesmo se entendem).

Num instante desapercebido, notei que o espaço visinho era uma sorveteria. Quando fechei a boca da pergunta, este senhor de olhos arregaçados, olhou com tanta fluidez, e disse: “é sim, uma sorveteria, e os sorvetes são de boa qualidade”... e ficou, como se procurando terra aos pés; andava de um pilá a outra, alisava as costas da cadeira, botava as mãos no rosto e tirava-as novamente. Eu devia ter imaginado bem antes, o que aquele senhor estava querendo que eu falasse. Ofereci ao Dr. Gildemberg, não quis porque a garganta estava irritada. Quem sabe o que tinha ingerido durante um comprido dia de sol?... mas não custou, ele arrancou de lá, quase tomba, me acompanhou até a grade azul, pelo brilho da luz fluorescente da quina de pedra desenhada. E ficou esfregando as costas nos tijolos, passando os lábios um no outro e depois apertou com força, e vôo longe na sua magia lunática, ou na sua “necessidade” sufocante.Traga-nos três. Um de passas, “o meu também é de passas!” Disse mais alto. Não tive tempo de perguntá-lo se aceitava. E sobrou Diego. “Quero o meu de coco”.

Sentamo-nos em nossos lugares, cada qual imitava um gesto, uma conversa atrasada, um namoro ajeitado, uma gargalhada ferina... mas o coitado, acompanha o degelo no canto do copo, não pestanejava um segundo. Está gostoso, senhor Isaque? “Perguntou Diego.” Hum rum... ora se tá!” e pô-lo a se afastar da roda, quanto a tempo, melhor seria aquela oportunidade única.

E assim, acabados os sabores, ouvia-se apenas um ruído de palheta seca, sobre o plástico do fundo do copinho vazio... Em seguida, chegou uns olhos zarelhantes, faiscando feito cachorro novo, e vibrando em direção ao jardim, era o amigo Paulo George, com três ou mais porções de álcool no bucho. Foi logo pedindo sorvete. Fui com ele buscar e, no batente tropeçou à sandália e caiu feio, em meio à gente que sorria de canto a canto. Também esse povo não reconhece o que é cair. Todo mundo anda, sobe, tropeça e cai, não é não? Quem é que não já subiu e quem não já desceu, nesta vida?...

Suspendi o braço esquerdo, forcei até que conseguisse levantar os seus 90 quilos mal distribuídos. Arrastou-se a voz trôpega e descompassada, agarrou-se a tampa do friso e disse: "Foi só um pequeno erro meu..." Olhou para o rapaz: " bote esse aqui vermelhinho com recheio de ameixa. Qual é mesmo o sabor dele?"

Paguei a conta e vim me embora.

03 de outubro de 2011.

Jairo Araújo Alves
Enviado por Jairo Araújo Alves em 04/10/2011
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