REENCARNANDO  GAUDI

 

As pessoas gostam de cercar os sexagenários de cuidados que sabemos dispensáveis.  Todos gostam de lembrar-nos que já passamos dos sessenta, longe da meninice onde fazíamos  isso ou aquilo e que não podemos fazer mais. Mas as coisas não são bem assim, vezes há em que invertemos a curva da idade.

Em 2006 cheguei da Espanha com o espírito de Gaudi colado ao meu.  Dos três murais pintados por amigos, expostos na parede da área, nos fundos da chácara, ladeei-os por cerâmicas virgens, ornando-os por criativas molduras em volta das pinturas.

Criteriosamente, preparei em copinhos plásticos em torno de dez diferentes tonalidades de tinta PVA, e movido pelo ânimo da excitação lancei-me ao trabalho.

Cerâmica por cerâmica fui fazendo um colar de cores em volta dos painéis.  No segundo dia a mulher passou por lá e torceu a boca; sinalizava no gesto  leve reprovação, embora não falasse nada. Prossegui.

Terminada aquela tarefa, gostei do que vi.  Além das cores originais dos  murais, haviam as novas cores em volta que, para mim, criavam mais vidas ainda, ensejando aquela explosão de flores e de cores a me maravilhar.

Não parei por aí. Satisfeito com o resultado parti rumo às pedras da cascata da piscina. Por que não?

Bem, aí a mulher exasperou-se. Torcendo os lábios pela segunda vez para as minhas molduras, pôs-se agora à frente das pedras com o simples argumento que elas, naturais, eram mais belas! Imaginem como mais belas, sem a magia multicolorida de Gaudi?  Conversa vai, conversa vem, um beijinho aqui, outro beijinho lá... pintei-as!

Ficou interessante a nova visão da cascata.  Maria Luiza não gostou. Esbravejou que o cenário estava muito “papagaiado”, que eu não sabia usar as cores e muita lorota mais.

Calmamente me aproximei dela.  Todo “borrocado” de tintas, levava aquele sorrisinho maroto “do que se há de fazer se já está tudo consumado?" Isso a irritou mais: “Quer saber de uma coisa” encarou-me, ...”parece trem de menino!”

Poderia ouvir coisa melhor? A constatação justificava os cinco dias que  eu pintava por lá.
A curva da idade estava invertida. Sentia-me um menino e Gaudi, com certeza, devia se sentir orgulhoso de mim.

 
IMAGEM INTERNET - GAUDI - CASA BATLLO, BARCELONA.