No ônibus
São sete da noite. O trânsito está lento, pesado, engarrafado. No ônibus mal iluminado, rostos cansados, desconfiados, sonolentos. A porta se abre, entram dois adolescentes, rapidamente, não querem pagar a passagem. Todos se olham, temerosos, podem ser assaltantes, as bolsas se colam ao corpo, instintivamente.
Alguns passageiros cochilam, mesmo em pé, encostados à fria coluna de metal. Outros ouvem música com fones de ouvido, um ou outro sem eles, perturbando os passageiros. Muitos usam os celulares – as telas acesas destacam-se na semiobscuridade do ambiente – ao meu lado a moça com o irritante barulhinho do Nextel fala desnecessariamente alto. Todos ouvem fragmentos de intimidades alheias: a mãe que briga com a filha adolescente porque ela não fora ao curso de inglês; outra ameaçando deixar o noivo esperando no altar; outra discutindo sobre trabalho, dizendo que não aguenta mais; o filho aconselhando a mãe a não ficar sozinha em casa, sair, não deixar a depressão tomar conta... São fragmentos de vidas alheias que captamos, como num caleidoscópio auditivo, numa viagem de ônibus pelas ruas lotadas de carros da grande cidade.
Uma freada brusca, o ônibus é fechado por um carro que vira à direita sem prévio aviso. Lá vem a ambulância gritando sua sirene, pedindo passagem, é emergência, mas como sair? Para onde?
As pessoas voltam para casa ao final do dia, tarefa cumprida – bem ou mal – quem sabe não foram despedidas naquele dia? Quem sabe se estão felizes em seu trabalho ou simplesmente tentam garantir a sobrevivência? Muitos, talvez, estejam voltando de mais um dia infrutífero em busca de trabalho, não há emprego para todos, nem todos têm qualificação para os empregos disponíveis.
E a vida torna-se um incessante rolar de dias tão iguais, de pessoas tão diferentes
Mas, tudo está parado. Que terá acontecido? Vejo pescoços se esticando, procurando ver não se sabe o quê. Talvez um acidente, um atropelamento, tão comuns, que já quase nada sentimos ao ver um corpo no chão. Não se vê nada anormal, só a imensa fila de ônibus à frente, mais um engarrafamento de final de dia, num dos grandes corredores da cidade.
Motoqueiros, apressados, trafegam sobre a calçada, desrespeitando a lei e ameaçando os pedestres. Só querem passar, não importando onde nem como. Precisam fazer suas entregas, senão não garantem o sustento no final do mês.
Mais de quinze minutos parado. O motorista abre as portas, várias pessoas descem, inclusive eu. Faltam ainda uns doze quarteirões para chegar em casa, mas resolvo encarar a caminhada. Acho que chegarei mais rápido do que o ônibus.