UMBIGOS SUJOS

Depois de correntes de e-mails e comunidades no Orkut escancararem pérolas na redação do ENEM que ferem brutalmente as normativas gramaticais vigentes (e que até hoje não sei se, realmente, aquelas frases são verdadeiramente das provas ou foi alguém que as inventou e o boato se disseminou), chegou a vez do Facebook. No espaço “no que você está pensando agora” o usuário compartilha seus pensamentos, faz propaganda de seus produtos, xinga o Governo, conta piadas e cita uma interminável relação de palavras e frases que os “ignorantes” teimam em repetir, erradamente.

Para ilustrar, transcrevi um comentário pesado contra esse “assassinato gramatical”:

“Campanha em favor do nosso português: 'desde' se escreve junto; 'menas' não existe; 'seje/esteje' – está errado; 'com certeza' – se escreve separado; 'de repente' se escreve separado; 'mais' – antônimo de menos; 'mas' – sinônimo de porém; 'a gente' – separado; 'agente' – só secreto, e 'mim' – não conjuga verbo. Se não for incomodar (sim, é com 'i') cole no seu mural e melhore o seu convívio linguístico com as pessoas!”

O mais grave é que, não raras vezes, o umbigo desses mesmos acusadores está sujo. Seria de bom grado que olhassem para ele e, primeiramente, limpassem-no, para então pensar em ter a audácia de criticar outrem.

Porque os mesmos que falam que é uma aberração escrever em fim ao invés de enfim, ou menas no lugar de menos; são os que escrevem o quê quando, na verdade, deveriam ter escrito o que. São aqueles que mandam um scrap convidando para sair à partir das 23 hs (deveria ter escrito a partir das 23 h). São pessoas que repudiam apartir, porque deveria ser a partir, mas escrevem com o nariz empinado que “entregarão á quantia de 10 reais”, esquecendo que jamais se contabilizou o acento agudo no “a” sem “h”.

No final da história, entre acertos e erros gramaticais, sejam os ignorantes bárbaros ou os cultos gregos, todos atingem os seus objetivos: comunicar-se. Porque os meandros gramaticais são tão complexos e irrealistas, que mesmo doutores em gramática vez ou outra escorregam nesse solo lisíssimo que é a gramática brasileira.

Dias atrás presenciei uma dúvida aparentemente boba de uma doutora em linguística: friinha ou friínha? Rapidamente expliquei-lhe que “hiato seguido de nh” não é acentuado. Falta de erudição? De modo algum. São percalços pelos quais sempre estamos sujeitos a passar. Da mesma forma, não é difícil encontrar colunistas de jornais e revistas que elaborem frases cuja estrutura um gramático reprovaria.

Fato é que grandes escritores não necessariamente sabem analisar com maestria a gramática de suas obras. Mas isso não quer dizer que a escola, enquanto espaço formal, não deva almejar a elevação do grau intelectual de seus alunos, para que não escrevam orações sem sentido ou palavras com a ortografia errada. Nem que os indivíduos não devem buscar o desenvolvimento cognitivo pessoal. Porém, há que se respeitar as limitações individuais e as diferenças deve imperar. Até porque, vez ou outra, o nosso umbigo fica sujo e nem nos damos conta.