Portugal, um futuro…?

Antes de ir ao que realmente interessa, realço desde já que adoro de uma forma profunda e algo incompreensível o meu país, o meu povo, ao ponto de quando regresso das minhas viagens pela Europa ficar extremamente feliz por voltar a Portugal, por voltar aos portugueses e portuguesas, embora encontre uma nação decrépita…desde quase sempre, lá maquilhada um pouco, mas realmente decrépita, de pouco servindo de consolo a nossa personalidade afectiva única que faz com que cada estrangeiro se sinta realmente bem em Portugal, porque senão o somos, deveremos ser sem dúvida dos povos mais genuinamente hospitaleiros do mundo…Por exemplo, em França e se quiser uma informação nas ruas, tenho que falar francês ou não vou a lado nenhum, de pouco me servindo o meu inglês…Cá em Portugal…se algum estrangeiro quiser uma informação pessoas não faltam para dar tal, e se não falam inglês arranham este, ou na falta deste vale a linguagem gestual e imensa simpatia, e raro é o estrangeiro que não fica esclarecido…Nós gostamos de ser assim, nós somos assim, mas isto é muito, demasiado pouco…

Agora falta-nos o resto, falta tanta coisa, falta sobretudo uma Atitude e alguma Personalidade…

Criticamos os nossos vizinhos espanhóis, mas não lhes falta a tal Atitude e Personalidade, e, bolas, ou tenho uma enorme sorte, ou encontro os espanhóis certos quando vou a Espanha, pois apesar de demasiado orgulhosos acho os espanhóis também simpáticos, prestáveis e afáveis…Só não são é subservientes…

A nossa passividade, o espírito literal do fado, do destino chega a ser exasperante…

A última vez que tivemos alguma personalidade foi no século XIX, onde as tropas de Napoleão que por cá andaram levaram para contar, quando o povo se uniu em guerrilha e lhes fez uma perseguição de tal ordem feroz, que dou graças aos céus de ainda não se falar em direitos humanos ou em regras de guerra…Mas depois prestámos vassalagem aos aliados ingleses que nos vieram ajudar a derrotar os franceses, sendo que consta que esses aliados fizeram tantos ou mais estragos do que os invasores…mas como eram aliados, lá nos calámos…

Pouco depois deram-se as revoluções liberais, e lá mostrámos alguma personalidade para nos voltarmos a calar e tudo ficar na mesma…

E não adianta falar na proclamação da republica em Outubro de 1910…Tal partiu de meia dúzia de pessoas, o povo aderiu, mas a ideia e o movimento foram fruto de uma minoria, de uma elite…Falar de Movimento Popular na proclamação da República é não conhecer a realidade e a história de Portugal…

O cumulo de tudo isto foi o facto de tirando as manifestações conhecidas de oposição ao salazarismo (crise académica de 1961 e de 1969) a maior manifestação de revolta a essa ditadura era a cada 5 de Outubro (dia de proclamação da República, evento subvalorizado por Salazar de forma oportuna…) meia dúzia de alminhas se reunia perante a estatua lisboeta da república e cantava o hino nacional, porque ninguém prende quem canta o hino, mesmo que esta seja um forma de oposição…e depois lá voltavam para os seus cafés, os seus círculos de intelectuais para fazer conspirações que certamente passariam depois da ressaca passar…

Mas o povo rendeu-se nesses 48 anos de domínio de Salazar ou de quem mandava por ele…

Sim, houve o 25 de Abril, mas tal partiu de uma elite militar insatisfeita, porque se essa elite estivesse contente demoraríamos ainda uns anos a sair da tal ditadura, e a mesma multidão, multidões que saudaram as tropas do 25 de Abril pouco tempo antes tinham enchido o Estádio Nacional a saudar o mesmo poder que caiu dai a pouco…

Elogia-se o 25 de Abril por ter sido uma revolução pacifica…pois…e dai a 10 anos os mesmos poderes que tinham apoiado Salazar, o Estado Novo dai a 10 anos estavam a apoiar a democracia, depois de um breve exílio…

Mas vieram então os dinheiros da Europa e em meados da década de 90 Portugal estava de face lavada, a boa disposição reinava, e até éramos considerados um aluno exemplar da União Europeia…

E passaram menos de 20 anos, e tudo mudou radicalmente…A depressão crónica do meu povo voltou, a miséria também…e custa-me andar pelas ruas e ver o mesmo estado de espírito derrotado da minha infância e adolescência, nos anos 70 e 80…

O que mudou então para de meninos bonitos passarmos a ser uma das bestas negras da Europa…?

O que mudou então…?

Ao mesmo tempo nada e ao mesmo tempo tudo…

O povo é o mesmo, o seu estado de espírito é que mudou, e bem…

Porque os dinheiros da UE não serviram para nos modernizar verdadeiramente, para operar verdadeiras e significativas mudanças estruturais…ficou sobretudo num algures de novas fortunas e de contas escondidas, não ficou com o povo…

Mas como entretanto os bancos começaram a dar crédito a juros acessíveis, toda uma nação se foi endividando, acumulando não apenas o crédito para comprar a tradicional casa, mas tudo e mais alguma coisa que haveriam de pagar mais tarde, mais tarde, mais tarde…um exacerbado consumismo tomou conta de nós, ao ponto de até pessoas das mais humildes profissões terem um cartão de credito e bens que não teriam supostamente acesso, à base do tal credito…

E tal como ele o próprio Estado se foi endividando, sem pensar no dia do amanhã, de forma insustentável, adiando os pagamentos, adiando, e engordando, alimentando uma imensa clientela politica que se escondia em imensas instituições, uma clientela que nada fazia e que no entanto recebia bons ordenados, tinha imensos privilégios de todos os tipos…e a máquina do estado engordou de uma forma caótica…

Negócios pouco éticos entre o estado e empresas privadas que mais tarde receberiam os governantes que fizeram esses negócios proliferaram, mas eram éticos e legais porque entretanto se fizeram leis a tornar legal o que não o é de facto…

A ruína estava a um pequeno passo, mas como o crédito e políticos coniventes sustentavam tudo isto, nada se passou, até ao ano de 2011…

(…)

O crédito deixou de ser barato, os juros aumentaram, as despesas do estado começaram a ser demasiadas, o nível de endividamento de famílias e empresas atingiu níveis sem paralelo na nossa história (e tão depressa, tendo em conta que em 1989 éramos a nação europeia cujas famílias poupavam mais…)

E assim tivemos que pedir ajuda externa a juros insuportáveis apesar de serem considerados uma ajuda…e a nossa classe politica que nos tinha enfiado no abismo, aceitou essa ajuda e as suas condições draconianas, aceitou, e quem teve que as pagar, quem as vai pagar…?

Nós, o povo, que a classe politica e os bancos que nos arrastaram para a ruína mantêm os seus privilégios, por exemplo, os partidos políticos com representação parlamentar recebem dinheiro do estado por tal, além de cada deputado se cumprir 2 mandatos (8 anos…) tem acesso aquilo que um trabalhador garante em 40 anos de trabalho, uma reforma, ao passo que as suas reformas são generosas e que as podem acumular com outros trabalhos, ao contrario das reformas do trabalhador comum, que alem de serem modestas não são acumuláveis com outros rendimentos…E os bancos apesar de tanto se queixarem…não consta nem que nenhum banco tenha ido à falência nem que o desemprego entre administradores desses bancos ser significativo…(tirando um, mas isso é uma longa historia…mal contada…)E os partidos continuam com privilégios e a esconder contas do estado…Se são pelo povo, se são eleitos pelo povo porque não abdicam dos seus privilégios…?

E o tal empréstimo da UE e do FMI impôs condições…cortes no despesismo, contenção orçamental…

Sim, e tal está a acontecer, vai acontecer…: aumento brutal de impostos, que incidem sobretudo no trabalho e no consumo, cortes na educação, na saúde, na segurança social, etc…ou seja, os portugueses vêm metade do seu ordenado ir para impostos que de nada servem, porque passaram a pagar caro serviços para os quais descontam e que era suposto estarem acessíveis…

Pedem-nos sacrifícios para pagar as contas, e os sacrifícios começaram só agora e vai piorar e bem…? O endividamento será pago pelos nossos filhos e netos, e o pais está de facto mais pobre…e deprimido, notasse tal já nas ruas…

E no entanto nenhum politico ou banqueiro foi incriminado, e foram eles que nos levaram à ruína, ao descalabro…

E fazendo parte dos tais sacrifícios estão uma serie de leis laborais e sociais que foram rasuradas, dando-se um retrocesso laboral e social que nos coloca nos princípios dos anos 70 ou bem atrás…

Pedem-nos sacrifícios em nome de Portugal quando foram meia dúzia que nos colocaram neste lugar vergonhoso perante o mundo…

E no entanto o povo aceita esse sacrifícios e até glorifica quem nos colocou nessa situação, não se revolta, está prostrado, está submisso…acham normal um atentado à sua carteira e direitos…e quem diz o contrário é conotado com certos interesses políticos de esquerda radical…

A questão não é politica, é social, civilizacional, e no entanto este povo não se indigna, está perfeitamente conformado…escravizado…

Um dos primeiros generais romanos, do tempo da republica romana, que por cá andou disse sobre o meu povo “Este povo não governa nem se deixa governar”, ou um dos únicos portugueses lúcidos da actualidade disse “Somos um povo nórdico: pagamos impostos à nórdica e temos um nível de vida do norte de África…”

E no entanto este povo nada diz, nem perante o facto de o único organismo que não sofreu cortes orçamentais ser o da Administração Interna, porque quando as manifestações de descontentamento aparecerem, o aparelho que as controla tem de estar de barriga cheia e satisfeito, porque não se pode correr o risco de os mesmos policias que é suposto manterem na ordem uma população eventualmente desesperada, não se pode correr o risco de estes se juntarem a ela…

Se houver as tais manifestações, das quais francamente duvido, porque o nosso estado anímico é de tal ordem que mais depressa aceitamos mais um aumento de impostos do que vamos para a rua protestar significativamente contra estes…

Um dia sem dúvida vamos ser um caso de estudo, de um povo que a troco de nada, ou de meras palavras, se deixou dominar, a troco de nada, aliás, da sua miséria física e espiritual, afinal estamos acostumados a ela, vivemos nela desde os tempos da nossa fundação…

Por isso, apesar de amar o meu povo, de amar Portugal, desejo para ambos um governo Federal, esperando que com um governante do Norte da Europa as coisas mudem para melhor, porque nós, definitivamente somos incapazes de tal…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 02/10/2011
Código do texto: T3253182
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