Tá rindo de quê?

Há algum tempo as piadas feitas por certos humoristas tem suscitado um debate sobre o politicamente correto. Pessoalmente, desconfio muito do politicamente correto porque o considero uma grande hipocrisia.

No mundo do politicamente correto não há espaço para erros ou deslizes. Acontece que o homem não é um ser naturalmente politicamente correto. Todos tem suas limitações, seus preconceitos. É impossível crescer sem partilhar de alguns. O defensor do politicamente correto acabou por escorregar em uma limitação: o autoritarismo ao tentar impor sua visão ao resto do mundo, muitas vezes de forma radical.

Não estou com isso defendendo qualquer forma de preconceito, apenas estou reconhecendo o que considero um fato. O politicamente correto não pode se impor, ele deve vir da escolha de cada um, se não ele apenas internaliza os preconceitos, os torna mais subterrâneos ainda.

Enfim, falemos agora dos tais humoristas. Danilo Gentili e Rafinha Bastos são os principais nomes nas manchetes sobre piadas de mau gosto. Ambos trabalham numa linha tênue entre o humorismo e a vulgaridade. Acontece que nem sempre o equilibrista consegue se equilibrar.

Ao meu ver, Gentili não se esforça tanto para se equilibrar na corda bamba. A maioria dos seus trabalhos demonstram que o que procura firmar é essa sua imagem de anti-herói. Em um livro tentava ensinar os alunos a serem os piores alunos da escola com base em alguns truques que já rolam na boca do povo há muito tempo, enquanto num show sobre política, intitulado Politicamente Incorreto, fazia algumas troças sobre o folclore político recente. Aí é que está o pulo do gato: o livro se propõe a ser algo subversivo e o show a ser um tipo humor inteligente e cáustico, mas não é.

Rafinha Bastos, por sua vez, também gosta de cultivar a imagem de politicamente incorreto. Bastos, no entretanto, tem uma experiência mais aprofundada que Danilo no humor, principalmente no humor negro do comediante americano George Carlin ou do irascível humorista inglês John Cleese. Muitas vezes, em nome da piada, Rafinha sai do terreno do humor negro e coloca o pé na vulgaridade, como aconteceu nas suas últimas afirmações sobre mulheres feias estupradas ou Wanessa Camargo e seu bebê. O que faz de seus "escorregões" mais inaceitáveis que os de Gentili, pois ele conhece bem o limite entre os dois.

Aonde vamos encontramos hipocrisia e nesse caso não é diferente: tanto dos humoristas, como falamos assim, como dos que os acusam. Há limite para o riso. Nem sempre o riso anárquico é bom. Rir de tudo e de todos pode nos levar a um caminho perigoso: a banalização. Se começarmos a banalizar a violência contra a mulher ou a pedofilia então aceitaremos que essas duas práticas são normais. Chegaremos á indiferença. A experiência de ser estuprada não é brincadeira, ela pode acabar com muitas vidas. Quando rimos de algo assim estamos ignorando tudo isso.

O humor é uma arte sim. Segundo Leon Eliachar, é a arte de fazer cócegas no raciocínio das pessoas. Não é só isso, claro, mas muito mais. O humor é importante porque nos faz rir do mundo ao nosso redor e de nós mesmos. Muitas vezes o humor fala algo que você nunca descubriria se não fosse através de uma piada. O humor, portanto, traz esse novo olhar sobre o mundo e sobre si. Nem sempre é algo grandioso, mas geralmente é uma visão divertida. No entanto, há certas coisas que não podem ser subvertidas e não é porque são dogmas, mas porque envolvem questões delicadas, porque envolvem sentimentos, traumas, etc. Se há espaço para o riso, deve haver espaço para a lágrima. Muitas vezes ambos compartilham a mesma sala. Nesse caso não foi o que aconteceu: um assunto sério e trágico foi ridicularizado. É difícil, mas não impossível fazer humor hoje sem se rebaixar á vulgaridade ou á banalização. Basta termos vontade de fazer isso.