Shakira e Ivete
Pouco vi do Rock in Rio, mas como não prestar atenção em Elton John, Stevie Wonder e nessas duas mulheres maravilhosas? Avistei Ivete, pela primeira vez, ainda no início da carreira, quando entrevistada por Jô Soares. Daí em diante só aumentou o meu fascínio pela baiana despachada, engraçada, surpreendente, atirada e que balança e levanta do chão o carnaval sergipano, brasileiro e também de outras partes do mundo.
Quanto à Shakira, pude observar o seu desempenho e apreciar o estilo diferente do de Ivete, mas também de muita categoria e mis-en-scène. Ela não rouba a cena, é a própria cena. Observei-a na madrugada de sua apresentação no Rio de Janeiro desde o primeiro ao último minuto. Focalizei cada gesto, trejeito, emanações do brilho e a vitalidade da colombiana.
A figura de Shakira impressiona por tantos e tantos itens que seria difícil enumerá-los. Digo primeiro da sua figura física. Ainda não sei se é uma menina, uma mulher, ou as duas reunidas em uma só. Cada centímetro de Shakira diz de sua pessoa subjetiva. Os cabelos livres são a coroa da cantante. A fisionomia apresenta aspectos que vão se alternando enquanto canta e dança e que independem da potente iluminação do palco. Um rosto simples, de menina que conhece as brincadeiras da infância, por isto salta tanto com aquelas pernas grossas e bonitas, sensuais, mas não escandalosas, pois se até nua ficasse seria angelical. Os olhos expressam tanto, dividindo-se entre a alegria da juventude e uma sombra de melancolia que parece fazê-los brilhar ainda mais. Dividido é também o sorriso entre a brejeirice e a seriedade que cativa. A voz não deixa por menos e, tanto faz do rock uma apoteose, quanto do romântico um ritual de muita beleza. Os quadris de Shakira são capazes de cessar fogo na mais cruenta batalha e encantam até os mais longínquos astros. E por mais que se rebolasse e fizesse aqueles movimentos que prestigiaram o flamenco, a dança do ventre e o rock, não foi vulgar por um só triz de segundo.
É fácil notar naquela moça colombiana um ar de gente, de ser humano digno e delicado. O ambiente do rock, muitas vezes marcado por histórias tristes como as de Hendrix, Elvis e Amy, entre outros, não a macula. Canta e dança como roqueira, contorce-se com aquele corpo que se agiganta no palco, e, apesar de lembrar Madona vez por outra, dela é totalmente o inverso. Que carinho especial dedica aos seus músicos e como aquela sua equipe passa ares de uma família integrada. Passa respeitabilidade e ternura a moça que cantou com uma competência invejável.
Aquela saia bordeaux, para mim, foi o ápice da beleza. Que linda ficou a Shakira naquele gestual que remete ao encantamento da dança espanhola e como fez girar os babados da saia de maneira poética e exuberante! Quando se lançou pelo solo e fez o corpo todo lembrar um touro caído por terra aconteceu a apoteose de sua performance. Indo e vindo, pulando, dançando, acariciando e deslizando pela coluna do microfone colocada entre as coxas, ainda assim, Shakira era uma menina encantadora fazendo delirar os seus fãs.
Veio o momento de Ivete entrar em palco, e, como eram duas rainhas, a brasileira a festejou, balançou os quadris para prestigiar a coreografia da estrela da noite, mas logo a deixou brilhar na beleza que foi a sua apresentação _ entretanto, não sem antes festejá-la brejeiramente e baianamente, digamos assim. O espetáculo foi grandioso até a despedida da cantora de Gypsi, Pienso em ti; e Loca.