Gafe (Manota)
Má nota é aquela nota que não soou bem. Destoante. Desarranjando a harmonia. Sabe aquelas situações inusitadas? Constrangedoras? Quando você percebe de repente que falou demais? É. Disse mais do que deveria ter dito? Pois é. É desse tema que tenciono falar nesta edição. Gafe, bandeira, mancada, pisada no tomate, má nota. O fedazunha do trem tem cada nome esquisito! Mas todo mundo comete. Principalmente quem fala demais. Aquelas pessoas cuja língua parece não caber na boca. Falar disso é tarefa difícil. Vou tentar, mas se falar o que não devo, me perdoem.
Alguns têm mais sorte e não percebem que deram a mancada. Como o caso do amigo a quem dei uma carona outro dia. Acho que ele imaginou que o carro que eu dirigia era do meu emprego, porque durante todo o percurso ele me elogiou muito:
- Você é mesmo um cabra arretado, bichim. Cumé qu’inda consegue dirigir um carro como este. Tá caindo aos pedaços, olha só. Não é pra qualquer um. Só mesmo sendo um bom motorista como você. Não tem medo de o motor cair?
Constrangido, perguntei ao mala:
_ - Quer descer?
Ao que ele respondeu imperturbável:
- Nada, bobo. Acho que ele consegue chegar no Planalto. Essa pecinha atrás do volante ainda está funcionando.
E dava-me um tapão nas costas, gargalhando como se eu achasse o máximo ser a pecinha atrás do volante.
No início da década de oitenta, eu ainda muito jovem, trabalhava na fábrica de Joaquim. Vocês sabem: fábrica de calçados. Empresa pequena. Turma pequena. Patrão amigo, assim meio pai. O Zé (vocês sabem que Zé é nome fictício, né?) era o tipo falador, debochado, batedor de capa. O João... (não vou ter que dizer que esse nome também é inventado, né?). (Porque espaço em jornal custa dinheiro, se tiver que ficar explicando esses detalhes pequenos vai ficar complicado)... Era aquele tipo que fazia pequenas prestações de serviços em diversas fábricas, por isso nossa intimidade com ele era menor. Mas o João era pessoa conhecida na cidade, de família tradicional. Seu pai, já idoso, era muito popular e estimado. Apaixonado por política era assíduo a toda e qualquer reunião com tal cunho. Por esse tempo Francelino Pereira, então governador de Minas, esteve em nossa cidade que o recebeu como a uma divindade. Eu mesmo fui vê-lo de perto, sobre o palanque montado à Rua Antônio Martins, emocionei-me ao velo subir os degraus, ao som de um dobrado executado pela nossa lira, num terno marrom, será que era marrom mesmo? Faz tanto tempo! Os cabelos grisalhos e o porte altaneiro, próprio dos vencedores.
Não fui vê-lo porque goste de políticos, falando sinceramente, acho-os enjoativos. Não é culpa deles, eu é que tenho um problema não resolvido. Tudo o que dizem me soa falso. Mas admiro-lhes a coragem e a disposição tanto para os ideais tão genuinamente arraigados em uns, como para as safadezas tão descaradamente presentes em tantos outros. De uma forma ou de outra são pessoas que se destacaram no meio das multidões e isso é digno de respeito e consideração. E foi isso exatamente o que me levou ao pé daquele palanque. O povo, neste país democrático, lhes dá o voto de confiança que lhes confere os cargos, e como a voz do povo é a voz de Deus, quem sou eu, misero vivente, para dizer qualquer coisa?
No dia seguinte à visita do governador, esse foi o assunto lá na fábrica. O José pôs-se a criticar uma pessoa conhecida que também comparecera ao evento, descrevendo debochadamente, o entusiasmo daquele cidadão aplaudindo o político de quem gostava:
- Que idiota! Batendo palmas como um louco. O velho caduco. Você o conhece, João?
E o João respondeu com serenidade:
- Sim. Eu o conheço, Zé. É meu pai